Acabei o ano como gostaria que ele continuasse, aconchegada entre braços e a beber da calma, do vinho, do calor. Os cães espalhados pelo chão, nós esparramados no sofá, o agridoce da cobertura de goiabada ainda na ponta do garfo, os festejos por esse mundo fora a estalar no ecrã. Brindámos ao novo segundo assim que ele dobrou a esquina do calendário, com esperança mas sem alarido. A esperança não nos é desconhecida e já temos idade para a saber sentir com sabedoria. Mais dois dedos de conversa, mais dois golos de espumante e, um a um, cada um ao seu ritmo, fomos-nos levantando, boa noite, até amanhã. Quando chegou a minha vez, deslizei para debaixo das mantas, pernas entrelaçadas, porto seguro, a felicidade também é aqui. Acho que adormeci a sorrir.
As questões vão-se sucedendo, há que pôr ordem na casa. Pergunto e escuto as possibilidades de resposta, assumo as minhas contradições e ouço que a persistência que me caracteriza é qualidade e que a devo retirar da lista negra. É essa a minha força, diz. É essa a minha força. Persisto em ser feliz, persisto em procurar respostas e em limpar o lixo aos cantos, persisto em querer o melhor que a vida me pode oferecer sem me contentar com soluções a meio caminho. É essa a minha força e a minha força é a minha redenção.
A procura pela palavras certas é quase uma obsessão e não raro noto que essa busca incessante me leva a complicar em vez de simplificar. Talvez não seja nada complicado, afinal, talvez neste caso as palavras não me expliquem, ponto final, é deixá-las de lado e assumir que o próximo parágrafo pode ser vazio de letras.
O perdão é coisa que não me sai sem custo embora sentimentos como o ódio não encontrem lugar em mim. Mas a memória de elefante refresca-se com facilidade e o ontem passa a hoje num instante. E enquanto moer a revivência, custa a passar a mão pela cabeça e a crer em nova cristandade. A bênção tem que ser conquistada, cá para mim, e o reino dos meus céus não está ao alcance de quem quer mas sim de quem pode. E a minha inteligência para o que não se vê mas sente é tramada e o que conheço como a palma da mão não passo a desconhecer. Mas parece que terei que me confrontar com aquilo que o meu corpo decidir na altura de se dar ao manifesto. Está visto que será uma questão de pele muito mais do que de raciocínio e que qualquer decisão será tomada tendo em conta o que menos me revolver o estômago.
Diz-me para abrir o peito e que continue a deixar entrar o amor: o amor que me tenho e que me têm, o amor desperdiçado para que se recicle e se volte a dar, o amor deixado a ganhar mofo nas calendas do esquecimento, por receio, por temor. Abrir o peito e encher-me de todo o amor possível. Será desta forma que tudo o resto se resolve, que tudo o resto assume a dimensão que deve ter, não mais, e se alinha devidamente na hierarquia da importância.
Acabei o ano como gostaria que ele continuasse, senhora de mim, dos meus espaço e tempo, e confesso que me apetece exfoliar o que me parece que já serão só partículas mais que mortas, que a minha relutância, tão característica do signo solar que me rege diriam os entendidos, continua a acarinhar autisticamente. Julgo que estou muito mais resolvida e em bons termos com a minha vida do que me habituei a pensar que estaria. É fácil que o hábito se agarre à pele.
Ainda que não se apresentem de forma clássica e estruturada, as decisões estão, no fundo, tomadas. As mensagens que me passo são claras, o que foi não pode voltar a ser e o que será depende do que fizermos para o concretizar. Não há caminhos fáceis, não há estalar de dedos nem facilidades, não há lugar a fingimentos nem meias verdades nem meras aparências. Nada de sólido se constrói com papel exposto à chuva. Nada de verdadeiro se constrói sem substância. Em compensação, a recompensa será como me disseram que era a raiva: "a raiva tem sempre o mesmo tamanho daquilo nos faz falta". E assim se começa o ano.
O perdão é coisa que não me sai sem custo embora sentimentos como o ódio não encontrem lugar em mim. Mas a memória de elefante refresca-se com facilidade e o ontem passa a hoje num instante. E enquanto moer a revivência, custa a passar a mão pela cabeça e a crer em nova cristandade. A bênção tem que ser conquistada, cá para mim, e o reino dos meus céus não está ao alcance de quem quer mas sim de quem pode. E a minha inteligência para o que não se vê mas sente é tramada e o que conheço como a palma da mão não passo a desconhecer. Mas parece que terei que me confrontar com aquilo que o meu corpo decidir na altura de se dar ao manifesto. Está visto que será uma questão de pele muito mais do que de raciocínio e que qualquer decisão será tomada tendo em conta o que menos me revolver o estômago.
Diz-me para abrir o peito e que continue a deixar entrar o amor: o amor que me tenho e que me têm, o amor desperdiçado para que se recicle e se volte a dar, o amor deixado a ganhar mofo nas calendas do esquecimento, por receio, por temor. Abrir o peito e encher-me de todo o amor possível. Será desta forma que tudo o resto se resolve, que tudo o resto assume a dimensão que deve ter, não mais, e se alinha devidamente na hierarquia da importância.
Acabei o ano como gostaria que ele continuasse, senhora de mim, dos meus espaço e tempo, e confesso que me apetece exfoliar o que me parece que já serão só partículas mais que mortas, que a minha relutância, tão característica do signo solar que me rege diriam os entendidos, continua a acarinhar autisticamente. Julgo que estou muito mais resolvida e em bons termos com a minha vida do que me habituei a pensar que estaria. É fácil que o hábito se agarre à pele.
Ainda que não se apresentem de forma clássica e estruturada, as decisões estão, no fundo, tomadas. As mensagens que me passo são claras, o que foi não pode voltar a ser e o que será depende do que fizermos para o concretizar. Não há caminhos fáceis, não há estalar de dedos nem facilidades, não há lugar a fingimentos nem meias verdades nem meras aparências. Nada de sólido se constrói com papel exposto à chuva. Nada de verdadeiro se constrói sem substância. Em compensação, a recompensa será como me disseram que era a raiva: "a raiva tem sempre o mesmo tamanho daquilo nos faz falta". E assim se começa o ano.