quarta-feira, junho 30, 2010

terça-feira, junho 29, 2010

segunda-feira, junho 28, 2010

:)

E a propósito dos posts anteriores, eis que recebo isto...!

Alvo

E por falar em bitch slap caio em mim e vejo como é tão fácil apontar o dedo. Tão fácil... tão melhor apontar ao desbarato e poder distribuir culpas, responsabilidades por aí. Porque nos descansa e até traz uma certa sensação de paz, porque nos iliba, porque nos tira um peso de cima dos ombros. Mas a verdade acaba por vir ao de cima e acaba por se "chapar" mesmo no meio da nossa cara, mais tarde ou mais cedo. E assim vemos, à força do choque, que andámos a escamutear o que estava mesmo à nossa frente, a "tapar o sol com a peneira", como diz o povo, a evitar ver o que que temos que ver. Podemos, mesmo assim, voltar a deambular pelas nossas florestas, perdermo-nos outra vez nos seus caminhos e fugir da clareira onde o sol desenha um foco no chão e destaca a realidade nua e crua. Podemos, sim, voltar a emaranharmo-nos nos ramos e arbustos, o mais certo é que o façamos porque o cérebro é um malabarista quando trata de se proteger. Mas a visão da clareira fica connosco, já não há como fingir que não a vimos, que não estivemos lá. Já não há como ignorar que, afinal, o dedo aponta para nós.

Frase do dia

"Ever feel like Mondays just bitch slap you for having a good weekend?"
Anónimo

sexta-feira, junho 25, 2010

Deve ser castigo...

Há determinadas pessoas com quem não gosto de assistir a jogos de futebol. Porque gritam histericamente, fazem comentários idiotas e despropositados, não percebem nada do assunto mas têm a mania que sabem... enfim, não gosto. Ironia das ironias... estão todos aqui ao pé de mim...

Desejos

Ainda não me saiu da cabeça o bem dito do bolo de tâmaras caramelizadas de ontem...

Café da manhã

Nos últimos tempos, não dispenso. Antes de me enfiar no carro e rumar ao resto do dia, tomo o meu café, sossegada, num espaço agradável ali bem perto.

Hoje, um vizinho de bairro e, aparentemente, habitué do mesmo estabelecimento, dos seus sessenta e muitos, resolve meter conversa comigo. Simpático, educado, sorridente, daquelas pessoas que fala com os outros por prazer, por puro prazer, porque gosta de gente, confiando que irá receber a simpatia que ele próprio emana. A conversa começa com o sol "e que chatice, vocês que trabalham e que esperam pelo fim de semana para poder ir à praia... e o sol resolve esconder-se justamente nesses dias". De repente, aproxima-se mais e diz: "Por favor, não me leve a mal, não quero de forma alguma ser indelicado mas... os seus olhos são mesmo muito bonitos! É por serem assim verdes, será isso?" Agradeço o elogio e respondo que são mais azuis e ele continua "ah, pois, muito bonitos mesmo... mas são seus? Mesmo seus? É que hoje em dia há quem coloque umas películas coloridas, não é?". Sim, são meus... sem "película"... :)

quinta-feira, junho 24, 2010

Proque eu não xou da Crinabelele....

F****! C**** do FB, que me ia matando do coração!!

Então não é que ontem, ao aderir a uma causa (sim, que eu sou pessoa de causas e manifestos e protestos e acho que vale a pena acreditar que este tipo de acções pode vir a influenciar alguma coisa), os tipos agradecem e tal e dizem para enviar para os amigos e sugerem uma doação. Até aí tudo bem... e depois continuam, dizendo qualquer coisa como "agora que se está a aproximar o seu aniversário, não quer aproveitar e em vez de receber uma prenda nossa, dar?" Muito bem... bonito, achei eu, para já lembraram-se, que queridos, e depois é verdade, sim senhor, que podemos utilizar o nosso aniversário para dar, é um dia tão bom como outro qualquer. Estive até tentada a clicar no botão... ATÉ QUE reparo nos algarismos que os senhores lá espetam e que, supostamente, representam a minha idade!!! Fiquei gelada, olhei várias vezes para me certificar que a hora tardia não me estava a nebular a visão e juro que até fiquei baralhada tal era a convicção com que o número três e companheiro maléfico pulavam à minha frente, gordinhos e brilhantes, enfeitados com velas e bolos de anos! "Ai, tu espera lá T... tu queres ver que andaste um ano inteiro enganada e que afinal a tua idade é esta?? Tu queres ver que fizeste mal as contas?? Pois que se o FB diz.... é porque deve ser, não é?" A coisa foi de tal ordem que dei por mim a ter necessidade de parar, pensar na idade da minha mãe e subtrair na máquina de calcular para confirmar que não estava louca...!

A sério... isto não se faz! Eu sei que aquilo está programado para ler a informação que nós próprios disponibilizamos e depois dá os resultados automaticamente e, dizem, sem qualquer margem para erro porque é tudo zeros e uns e não há como enganar. Eu sei... mas desta vez é mentira, é mentira! O programa não está bom, enganaram-se redondamente, tenho a certeza e a minha mãezinha também! Ora, isto não se faz a uma pessoa que sofre dos nervos e que chama os seus gatos pelo nome de outros animais! Não se faz, é cruel, é desumano, é... é... bom, não é bonito!

E agora, pensando bem, acho que tenho aqui material para os levar à barra do tribunal... afinal, estamos perante danos emocionais mais que comprovados que podiam ter consequências gravíssimas porque senti perfeitamente as minhas mãos a tremer e os olhos a rolar em desatino! Certo... não houve testemunhas mas tenho a certeza que hoje os meus olhos ainda não voltaram ao lugar e eu estou com um ar perfeitamente alucinado portanto vou tirar uma foto com o telemóvel e assim eles vão ver com quantos paus se faz uma carruagem... err.. carroça... canoa!! Estúpidos...

quarta-feira, junho 23, 2010

"... eu não moro mais em mim..."


Sala de espera

Observo. Não há nada mais para fazer. Os painéis luminosos vão mudando os números mas são todos diferentes, afinal qual é o meu? Respondem e concluo que é o mais atrasado...

Na televisão, o programa da manhã pergunta, em letras gordas: o que somos capazes de fazer para descobrir uma infidelidade? Felizmente está sem som...

De repente, chamam pelo meu nome. Querem que me inscreva, porque se enganaram e me fizeram andar às voltas entre edifícios e recepções e serviços e agora fazem-me passar à frente. Simpáticos. Enquanto espero no local indicado, ouço murmúrios nas minhas costas: vai passar à frente e foi a empregada que lhe disse! Uns são filhos, outros são enteados! Apetece-me virar e esclarecer a legitimidade da situação mas não o faço. Para quê? Estas pessoas não me dizem nada, não lhes devo nada e como hoje estou virada para dentro, o exterior não me afecta. Ainda bem senão acho que poderia vir a ser uma mistura explosiva. Inscrevo-me e a funcionária olha para mim de forma curiosa, quase como se quisesse perceber o que está por trás da informação que lhe dou. Nome, idade, estado civil, se já cá esteve com este "doutor"... De todas as vezes que respondo, olha-me nos olhos, inquisidora. Curioso.

Volto a sentar-me, de novo à espera de ouvir o meu nome. E aqui e agora, sou assim chamada à vida por vozes estranhas. Dizem o meu nome mas não sabem nada dele. No entanto, é comigo que falam, é o meu nome que pronunciam. Mas é só um nome, afinal. Observo e acho o local agradável, apesar da voz roufenha no altifalante, das conversas cruzadas, do barulho das chávenas de café no bar, lá na outra ponta. Observo e dou-me ao trabalho de tentar imaginar o que traz cada uma destas pessoas aqui. Numas, os males são evidentes. As outras, são parecidas comigo. Observam, esperam, pensam na vida e nada no seu rosto denuncia os seus propósitos.

Devia ter trazido um livro. Talvez ele me distraísse o suficiente para não me lembrar da primeira vez que cá estive. Era mais nova mas, acima de tudo, era mais eu. E aqui estive, com a "minha pessoa". Lembro-me do que dissémos, da sua expressão, do sorriso forçado mas bondoso de quem está preocupado mas não quer que se veja. Lembro-me do sorriso seguinte, o franco, porque afinal não havia nada com que se preocupar. Lembro-me da viagem de carro até aqui, da aventura que era metermo-nos em sítios onde nunca tinhamos estado e da satisfação de os encontrar à primeira. Mais algo que herdei...

Espero. Observo. Escrevo. Ouço a voz fanhosa e pontual para não perder a vez. Ainda não é desta.

Reparo que, afinal, talvez não venha fazer o que julgava. Percebi mal, pensei que passássemos directamente à acção visto haver já indicação nesse sentido mas, aparentemente, este "doutor" também tem que dar o seu aval por cima do aval do outro. Enfim... Sinto que vou perder tempo para ouvir o que já ouvi mas com uma voz diferente. Procedimentos, diriam. Certo. Será que ninguém consegue perceber que há aqui passos desnecessários?? Para quê dois carimbos, um por cima do outro? Pode ser que esteja enganada, pode ser. A ver vamos, quando chamarem o meu nome, sem saber nada dele.

O quadro de cortiça avisa que devemos tratar bem as pessoas com epilepsia porque podemos nós, um dia, ser também epilépticos. Bonito. Trata bem para depois te tratarem bem a ti, se precisares, e não trata bem porque sim, porque somos todos "patetas no mesmo autocarro".

De repente, passa o "doutor", o outro, o do primeiro carimbo. Olha mas não me vê. Se for como eu, que não fixo caras à primeira, nem sabe quem eu sou. E eu hoje sou só mais uma alminha no meio de tantas, do meio dos murmúrios e conversas disto e daquilo, perco-me no zumbido de fundo.

Algures, no meio da confusão sonora, lá ao longe, um som que parece de uma caixa de música, daquelas antigas com a bailarinha a rodar. Não percebo de onde vem mas a verdade é que me puxa daqui para um outro local, para uma loja de antiguidades, cercada de objectos pesados e com uma aura mística de pó e sol velado, que parece iluminar-se no momento em que a caixa é aberta. Giro.

E agora, finalmente, a voz fanhosa acorda-me a chamar por mim. E agora, a indicação do gabinete e o "doutor" a cumprimentar e a dizer-me que aguarde enquanto atende quem está à minha frente. Afável, sorridente, a fazer-me lembrar alguém que conheço. Agradeço e sento-me mais uma vez. Aqui, o barulho da sala de espera chega como de dentro de um poço, lá longe, abafado. Em compensação, o altifalante ainda se ouve mais.

Entro. Dou a carta. Pede para ver e "carimba por cima". Ou melhor, confirma o diagnóstico.
- Vamos lá então marcar... dia X pode ser para si?
- Pois, por acaso até não... é que faço anos, sabe, não me dava muito jeito...
- Tem toda a razão! Era o que mais faltava passar o dia de anos enfiada num hospital! Muito bem, então dia Y, pode ser?
- Pode, está óptimo.
- Bom, então diga lá: tem doenças? Toma algum medicamento?
- Sim, por acaso, tomo o S******.
(Silêncio... Expressão de estranheza...)
- Com esses olhos...? Tsss, tsss, tsss...
Bom, mas então está combinado. Venha, bem almoçada, e só precisa de aparecer e trazer boa disposição! Ah! E um livrinho já agora, que isto pode ser um bocadinho aborrecido. E se quiser trazer alguém para lhe segurar a mão...
- Não creio que vá ser preciso.
- Ora assim é que se fala!! Até porque eu também não deixava entrar!! Ahahahahahah!!!

(é impressão minha ou eu tenho o poder de só atrair médicos sui generis?)

Felinos do Entroncamento

Tenho uma gata/tartaruga e um gato/suricata. Quem é que não é normal aqui? Eles ou eu?

terça-feira, junho 22, 2010

"Drafts"

É sempre assim. Fico com uma espécie de azia. Mas não daquela que acida o estômago, as entranhas afectadas são outras. E, se a mais comum provoca desconforto e esgares de má disposição física, esta empalicede e baixa os olhos e esmifra o coração iludido porque acha que não pode encolher mais e mesmo assim encolhe. É sempre assim e talvez assim seja para sempre, talvez seja agora parte do meu "show", como dizia a música, talvez se tenha tornado numa característica daquelas que já não são defeito, são feitio. Não gostaria mas, provavelmente, não há como lutar contra isso. Porque o caminho que percorremos tem as suas tintas frescas e quem lá passa acaba por ser por elas manchado. Falava nisso, no outro dia, de como olho e vejo que não há como apagar os borrões que eu antes não tinha e agora tenho. Diz que são de tinta permanente e que já fazem parte do meu retrato, entranharam na tela e secaram, e que não há mestre que os possa limpar.

Pergunto-me como a lucidez parece tanta para umas coisas e tão pouca para outras... e não só a minha...

Mas acabámos por concluir que as palavras têm um peso muito maior do que gostamos de lhes atribuir. E, ao contrário do que poderia parecer mais lógico, aquelas que não foram ditas e aquelas que não foram ouvidas são as que pesam mais. As que não foram ditas carregam nos ombros impaciência, contenção forçada e, amargas de frustração, acabam por apodrecer na sala de espera. Mas não desaparecem, ficam ali, a ocupar lugar, inúteis, estéreis, peso morto e ácido, água estagnada das coisas que deviam ter sido e nunca foram. E as outras, as que não foram ouvidas, deixam o seu espaço, o que lhes estava reservado, oco, deserto, sem vida, ecoando e não deixando esquecer a sua ausência, os pedaços que faltam. Mas é tarde demais, muito tarde. O mundo já girou muito e passou o tempo delas, não há como voltar atrás. Assim ficarão, portanto, as presentes e as ausentes, a magoar com a sua presença e com a sua ausência. E a fazer parte do meu "show"...

E, de novo, as voltas que parecem não cessar. Acho que o bilhete que comprei não era para tanto... enganaram-se, talvez, a montanha russa continua a funcionar, não há ninguém para parar o mecanismo e eu não posso saltar do sítio onde estou. Ainda é muito alto... Diriam "então, já que é assim, aproveita a viagem!". Mas já me apetece voltar para casa, sabem? Já estou cansada, tonta, já chega de rodopios, já chega... quero voltar para o meu canto, seja ele qual for, mas que tenha a tabuleta a dizer "Meu" e pronto, onde esteja o meu sofá, os meus bichos, o meu chá e os meus livros e... amor, muito amor. Para dar e receber e para adormecer nos seus braços. Onde cheire a bolos acabados de sair do forno, onde haja risos e claridade e música. Onde eu esteja, mas mesmo eu, eu a sério, eu completa.

Deparo-me com grandes disparidades no que diz respeito à justiça. A justiça que falha, a justiça que não foi feita, que não me foi feita. E quanto a isso, resta-me aceitar que ela é apenas a "minha" injustiça, poderá não ser de mais ninguém, poderá até ser catalogada de "justiça", afinal. Estranho mundo, este, estranho mundo, o meu.

Olho para trás e comparo. E vejo um "antes" e um "depois" mas também vejo um "depois de tudo isso", que é onde estou agora. Olho para trás e sorrio ao mesmo tempo que choro. Olho para trás e não me reconheço mas também me sinto eu. Olho agora e estranho o resultado da fusão. Olho agora e espero que ainda esteja a ver um rascunho, que a versão final ainda não esteja pronta, que ainda haja mais para escrever.

Miragem

Fui cortar o cabelo. Lá estava eu, com uma tesoura aparentemente descontrolada a esvoaçar à minha volta, e nisto dou conta de uma coisa estranhíssima... reflectidas no espelho estavam as costas da t-shirt de uma outra cabeleireira e diziam... "Caçarola do Fundão"! Pisquei os olhos, uma e outra vez, que estupidez uma cabeleireira (ainda por cima, a dona!) ter uma t-shirt daquelas em vez de uma de qualquer marca de shampô... olhei outra vez e outra vez e finalmente percebi. O que dizia era "Coloração do Futuro" e eu ainda não tinha almoçado...

segunda-feira, junho 21, 2010

Solstício

O mundo gira e traz mais uma estação, a do sol e calor, a do mar e dos cheiros quentes, a do alcatrão a derreter para quem fica nas cidades, a dos lugares de estacionamento a oferecer-se de bandeja, a dos gelados e petiscos ao ar livre. E hoje também, lá mais para sul, a "barrigada" de sete. Dizem que é número mágico, talvez até tenha sido o deus Sol a dar uma mãozinha... E as coincidências que dizem que não existem. Gosto deste "dizem". Quem diz? "Eles". Eles quem? Não interessa. "Eles", essa entidade sem rosto, com as costas larguíssimas... mas enfim, dizem então que não há coincidências, que nada acontece por acaso, que tudo tem uma razão de ser. Pergunto-me então qual é a razão de dois escritores portugueses em particular terem ido para o outro mundo quase de seguida. E pergunto porque são esses dois, justamente esses dois. Talvez só eu veja a ironia, talvez, a curiosidade do facto, talvez só eu. Mas tenho que me dar por contente mesmo assim. Nos dias que correm, a minha mente estar aguçada o suficiente para me aperceber, já é muito bom, mesmo que esteja sozinha nas suas deambulações. Mas falta-me agora a outra parte: porquê? Se não há coincidências, se tudo tem uma razão de ser, então qual é ela? Gosto de pensar assim, que nada acontece por acaso porque desta forma sentimos como mais legítimo achar que não andamos aqui por ver andar os outros, que há sentido no mundo e nas ocorrências e eu gosto de coisas com sentido. Mas, lá está, falta-me que "eles" me digam afinal o que está por trás porque eu, comum e banal mortal, não consigo alcançar...

Hoje dá-se a maior diferença na duração do dia e da noite e esta constatação remete-me para tempos idos e rituais pagãos e mulheres de roupa leve e branca a fazer esvoaçar gestos carregados de simbolismo e de comunhão com os astros e com a natureza. Gosto. Talvez seja a minha porção celta que, nestes dias, acorda e me faz viajar. Sinto-a latejar. Acho que me apetece criar um Stonehenge‎ só meu e dá-lo como desculpa para sair daqui e ir adorar o Sol. E, já agora, deixar que ele me adore também...

Poema da despedida

Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta em mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo

Mia Couto

sexta-feira, junho 18, 2010

Constatação #17

Não quero cá estar para além da "minha hora".

Mais um...

Morreu José Saramago

quinta-feira, junho 17, 2010

Metade

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também.

Ferreira Gullar

quarta-feira, junho 16, 2010

"Roubado"...

... daqui.

"Olho em volta e assisto a um fenómeno recorrente: pessoas solteiras ou divorciadas encaixam com a primeira pessoa que aparece, desde que esta se mostre disponível para se dedicar a elas. É uma espécie de jogo das cadeiras, a ver quem é que se aguenta mais tempo sem ficar de fora. Hoje em dia, estar só, no sentido de não ter uma relação amorosa, ainda é um handicap; é como se uma pessoa tivesse perdido a sensibilidade nos dedos de uma mão por causa de um desastre de carro ou a Natureza a tivesse privado de três quartos da audição.

Não ter alguém acaba por funcionar como uma espécie de estigma de solidão e de abandono, qual carta transviada de um baralho extinto. E, com o tempo, quase se assemelha a uma doença crónica. Finalmente, quando alguém aparece, amigos e família rejubilam porque ter alguém representa uma conquista, uma vitória, um troféu que se exibe em reuniões familiares e eventos sociais.

É CLARO que é óptimo ter alguém, mas não por estes motivos. Não há nada melhor do que acordar todos os dias de manhã, olhar para quem ainda dorme na almofada ao lado e sentir aquele conforto de sabermos que amamos alguém que também nos ama.

E quando chega o fim do dia, depois do trabalho, do trânsito, dos imprevistos e de todas os pequenos nadas que nos carregam a existência, é bom ouvir o ruído tranquilizador da chave à porta. Essa chave significa que o nosso alguém também teve um dia cheio de pequenos dramas quotidianos e que, no regresso a casa, tem tanta vontade de descansar da vida lá fora como nós.
Mas isso só é mesmo bom se quem estiver ao nosso lado não for uma solução de recurso, uma substituição preguiçosa, uma segunda escolha. Não basta que seja boa pessoa, que vele por nós, que nos faça companhia e nos troque as lâmpadas e a água ao cão. É preciso mais e melhor.

É preciso que esse alguém seja quase tudo na nossa vida e não apenas uma presença passageira que nos distrai mas não nos alimenta, como uma comédia romântica ou uma casa de Verão alugada ao ano. É preciso que o conforto e o prazer se misturem nas doses certas: só prazer, cansa. Só conforto, entedia.

As SEGUNDAS escolhas podem trazer-nos a ilusão da segurança, mas se o coração, a cabeça e o estômago não estão lá por inteiro, mais tarde ou mais cedo, a miragem ganhará contornos daquilo que é: a projecção torpe de uma quimera sonhada. E quem escolhe por defeito – por medo da solidão, por pensar que não merece melhor, porque não quer sentir-se a tal carta do baralho extinto –, mais cedo ou mais tarde, será obrigado a enfrentar os seus próprios fantasmas.

Não acredito em segundas escolhas, nem acredito que elas nos tragam a verdadeira paz. Uma paz conformada não resiste muito tempo ao desafio de uma nova guerra. E, para quem não sabe estar só, o melhor é ir aprendendo. Mais vale só do que acompanhado por um alguém qualquer que tanto podia estar ao nosso lado como ao lado de outro alguém.

Refugo, só nas lojas de velharias. "

Figura

- Então mas repita lá o seu apelido.
- C*****.
- Ah! Muito bem... é espanhol, sabe? É sim, senhora. E a menina T(inha) sabia que tem uma ilha?
- Não...
- Ah, pois é! A ilha Canela, é sua, pois está claro! A ilha Canela fica ali para o sul de Espanha e é banhada pelo rio Gua... Gua... ?
- Guadiana...?
- Nem mais! É uma pequena ilha que só se liga por terra por uma ponte. Também há outra, mais a Oriente, que é a ilha Cristina. E essa foi formada por causa do terramoto de mil setecentos e...? Mil setecentos e... diga lá?
- Mil setecentos e cinquenta e cinco...
- Exactamente!! Chamam-lhe o terramoto de Lisboa mas que afectou toda a Península Ibérica e que, na verdade, foi mais um maremoto, como sabe... daí ter formado justamente uma ilha!
- Pois...
- Mas já viu aquela senhora que saiu daqui? É uma chatice, quase cega... a minha mãe sempre me disse: Augustinho (que é o meu nome), tu olha mas vê! Olha com olhos de ver! E eu aprendi muito bem a lição e agora vi... vi que fui levar a senhora ao elevador e a auxiliar saiu lá do coio (sabe o que é o "coio"? não sabe??? devia saber! "coio" é um ajuntamento de pessoas...) bom, e saiu lá do coio, viu-nos e voltou para trás! Ora, era a obrigação dela acompanhar a senhora, não minha! Se eu a chamasse daqui ela tinha que vir e fazer o seu trabalho e pronto! Mas, enfim, como não me faz mal nenhum levantar o "cu" da cadeira... e é por essas e por outras que eu tenho 71 anos e esta invejável forma física!
Bem... mas vamos lá ver esses sinais que é o que traz a menina T(inha) aqui...

(Sim... era uma consulta de dermatologia...)

terça-feira, junho 15, 2010

O jogo e a pérola

"Estes jogadores da Costa do Marfim são todos encorpados, parecem inchados... devem encher-se de estrogénios, é o que é!"

POR-TU-GAL! POR-TU-GAL!

Caraças! Já me está a dar nervoso miudinho!! Está decidido, até ao fim do jogo não trabalho! É que não tenho saúde...

Quero!

O sono suaviza-me mas as manhãs trazem de volta a dureza. Fico-me ali, a digeri-la, olhos perdidos no tecto, coração murcho. Mas a urgência do dia ataca e a partir daí não há tempo para molezas, corre, corre, há o que fazer. Vai e vem entre a escolha da roupa e a torrada, pensamentos voam e maceram enquanto o óleo com cheiro a aloé vera penetra no corpo e a cama tem as suas "orelhas" devidamente puxadas. E os outros meus seres acompanham-me com as suas exigências e brincadeiras, com a sua vida à volta dos meus pés. O chá verde à janela leva-me para outros tempos e reforça os meus desejos.

Quero ser feliz. Quero sentir o peito cheio, quero que o coração murcho se encha como balão outra vez e brilhe, luzidio e vermelho como já foi e bata, bata muito, bata até se fazer ouvir. Quero enterrar os pés na areia e deixar que o sol me doure. Quero estar em qualquer lugar e sentir que não quero estar em mais lugar nenhum. Quero andar por cima de muros. Quero-me sentir completa, quero pertencer a mim e a mais alguém. Quero mergulhar no mar azul, azul e fingir que faço natação sincronizada enquanto engulo pirolitos e rio. Quero dar as mãos e sentir a pele macia e o sangue a ferver, quero encostar a cabeça e não me importar com o silêncio porque não é preciso falar. Quero viajar e ver outros mundos e outras pessoas e aprender mais do que sei. Quero ler e poder falar sobre o livro que li. Quero rir, rir com gosto, sem freio, rir com a barriga a doer. Quero ir ao cinema e sentir-me dentro do filme de tão boas que as interpretações são. Quero sentir que, ao fim do dia, há uma vida à minha espera, a minha vida. Quero os meus amigos, a minha rede em cada minuto do meu dia, mesmo que estejam longe. Quero soltar-me de todas as armaduras, correntes, portas e cadeados e abrir as muralhas e deixar entrar a luz e fervilhação de quem sente. Quero sentir muito, sentir forte, sentir até parecer que vou sufocar e morrer de felicidade. Quero arrepiar-me cá dentro ou sentir o estômago a arder, a energia arrebatadora das coisas boas a dominar-me os sentidos. Quero ver fogo de artifício com mil cores e mil sons a cair na minha cabeça e sentir que o ar me falta e me rasga um sorriso na cara sem eu dar conta, um sorriso que vem de dentro. Quero ser a escolha, A escolha. Quero ser única, inigualável, imprescindível. Quero, quero, quero. Quero mais. Quero tudo.

segunda-feira, junho 14, 2010

Resolução de ano novo... já a meio...!

"Tenho que acordar mais cedo, tenho que acordar mais cedo, tenho que acordar mais cedo...!!"

Porque acredito que "deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer?". Não! Porque a partir das cinco da tarde o meu esforço de contenção começa a ser difícil de disfarçar. Sim, posso sempre dizer que sou "só ligeiramente epiléptica" e que é por isso que espumo da boca e tenho que me agarrar à cadeira com todas as forças, (enquanto finjo um sorriso mais ou menos simpático) quando ouço determinadas coisas... mas é chato...

Frase do dia

"The only people you need in your life are the ones that need you in theirs, so stop making people a priority when they make you an option."
Anónimo

domingo, junho 13, 2010

Para começar bem a semana...



Something in your mind goes weary, goes
Turning itself into a big ball of snow
And it just rolls, rolls, growing stronger
As it goes, goes down the valley
Of the cold, cold lonely mountain
That hides all your secrets away from the surface

There, where, all your feelings show
Where you stand on your own
I'll meet you under a shadow of an orange tree

He never ever really loved you
He never ever really cared, cared
So just go, just turn around and hold me, just hold me
Cause I, I've been waiting forever, forever

Something in your mind goes weary, goes
Turning itself into a big ball of snow
And it just rolls, rolls growing stronger
As it goes, goes down the valley
Of the cold, cold lonely mountain
That hides all your secrets away from the surface

There, where, all your feelings show
Where you stand on your own
I'll take you dancing
We'll climb and we'll sit on the top of an orange tree

Something in my heart goes boom, boom, boom
And all I see is you, you, you
Something in my heart goes boom, boom, boom
There's nothing I can do (light shines for you)

sexta-feira, junho 11, 2010

Voz

De que estás à espera? De que estás à espera?? As provas estão dadas, a vida encarregou-se disso, e estão aqui à tua frente. Haverá mais o que provar? Claro que sim, na vida há sempre mais. Tu hás-de provar mais a ti própria, aos outros, ao destino, tu hás-de sentir quando for a altura certa e ela há-de chegar. Até lá, não esperes, vive. E aprende a lidar com a mágoa, com a desilusão, com o desgosto porque agora eles fazem parte de ti de uma forma como nunca tinham feito antes. Têm um lado bom, eles também, que vai ajudar a construir o que tu serás. O ser humano é imperfeito, muito imperfeito. O ser humano é primário e como tal age primariamente. Tu também és assim. E odeias isso, não é? Mas não esperes mais, não. Não há mais nada para esperar. Constrói um mundo novo, teu, constrói de raiz e polvilha as suas bases com o açúcar que sobrou do outro, mesmo que seja pouco e vive, vive sem esperar nada. Esquece os navegadores que te circundam, sai daí, navega por outras águas, na crista de outras ondas e torna-as tuas. De que estás à espera? Pergunta-te: de que estás à espera?

quinta-feira, junho 10, 2010

Frase do dia

"Evitar problemas que precisas de enfrentar é evitar a vida que precisas de viver."
"Roubada" a R. T.

Acima e a baixo

Toca mas não me mexo. Os olhos pesam, não me apetece, o cinzento "acinzenta-me", fico por uns largos minutos virada para dentro. Pergunto-me em que fase estarei afinal. Porque os pensamentos não me largam e cansam-me e obrigam-me a descansar antes de me pôr de pé. Estou a "elaborá-los" diz ela. Estou a macerá-los.

A noite fez-me embrenhar nas ruelas coloridas e enfeitadas de Alfama, para voltar a agarrar a tradição que me tem escapado e que não quero que me escape. O "sardine late supper" recebeu-nos com chuva mas não desistindo, lá nos encostámos uns aos outros, a receber as pingas grossas, continuando a comer o que estava seco e a comentar como a sardinha solitária agora boiava no prato. Mas a cor e a luz e a música continuavam a rodear-nos e depois, bom, depois continuámos como se nada se tivesse passado porque estavámos ali e era ali que queriamos estar.

Hoje, e porque o gato B. teima em fazer asneiras, o edredon que não coube na máquina lá foi esfregado e pendurado e pesava toneladas... pensei em desistir, a dada altura, fraca de braços como sou, mas respirei fundo, uma e outra vez, e fiz o que tinha a fazer porque não há-de ser um simples edredon, mesmo conjungando esforços com o estendal baloiçante, que me vai derrubar, ah, pois não!

E hoje, dia de moer e remoer, de silêncio, de dor de cabeça porque dormi demais, dia de me interrogar sobre o que dirias se me visses, o que me dirias hoje, se aqui estivesses.

quarta-feira, junho 09, 2010

Vuvuzelando à minha maneira

Contactos com empresa que ficou de nos apresentar uma proposta. Têm algumas dúvidas, gostavam de marcar uma reunião para as esclarecer, sim, meus senhores, concerteza, então proponho dia 15 às 15.30h. Dizem que sim, mandam compromisso e depois.... anulam compromisso. Logo a seguir, um email a explicar que agradecem muito mas que "alguém" lhes lembrou que a essa hora dá-se o primeiro jogo de Portugal no Mundial e que então sugerem outra data, para não "azarar"...

Fiquei a olhar. Li, reli, pisquei os olhos umas quantas vezes, não queria bem acreditar no que estava a ver. "Podiam ter inventado outra treta qualquer, não??". Mas depois pensei, caramba, quem diz a verdade não merece castigo e gostei da atitude descontraída dos tipos. Além disso... é a Selecção!! E se o fulano tem razão e dá mesmo azar ter reuniões à hora dos jogos?? Nunca me perdoaria...

Portanto, reunião desmarcada...

Agora parem, respirem fundo, acalmem-se antes de começar a fazer circular pela net que "Uma certa pessoa, pertencente a um organismo público, desmarcou uma reunião de trabalho por causa de um jogo de futebol!! É assim que o nosso País anda, é por estas e por outras que não vamos a lado nenhum, que isto anda tudo atrasado, é por causa de gente como esta que depois "eles" nos aumentam os impostos, bandalhos!, filhos de uma égua!, essa maralha que trabalha para o sector público devia ser toda chicoteada em praça pública!!". Calma... muita calma, não se precipitem. A reunião foi... antecipada! ;)

POR-TU-GAL!! POR-TU-GAL! FOOOMM, FOOOOOMMMM....!!!

Raiz de orvalho

Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram

Quem me dera acontecer
essa morte
de que se não morre
e para outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada

De quando em quando
me perco
na procura da raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco das mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens

Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância

Amam-me demasiado
as coisas de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno

Mia Couto
Agosto 1982

terça-feira, junho 08, 2010

Simbiose

Pronto, é da minha natureza, não há nada a fazer. Estou aqui, contigo, a sentir-te sofrer, a sentir a tristeza e o medo nas tuas palavras. E esse medo e essa tristeza passam para mim porque eu sou, de facto, uma esponja do que me rodeia e porque a esponja que sou não fica nunca indiferente ao sofrimento de quem me é mais querido. Sinto, como se fosse comigo, sinto e retenho o timbre da tua voz nos meus ouvidos e sei o que está para além dele. Sei, conheço-o muito bem. Que mais te posso dizer? Estou aqui, para o que quiseres, estou aqui porque tu és também parte de mim, estou aqui porque entre nós não poderia ser de outra maneira.

Constatação #16

A poesia não se lê, vai-se lendo...

Frase do dia

"Actions lie louder than words. "
Carolyn Wells

segunda-feira, junho 07, 2010

A. & B. com legendas


"Que falta de pachorra..."


"Porquê?? Eu sou tão bonzinho...!"

E como está friozinho...

... hoje acordei com uma estola preta à volta do pescoço!

domingo, junho 06, 2010

Sem palavras

Acho que não agradeci o suficiente, acho que nunca vai ser o suficiente. Àqueles que me acharam digna e especial o suficiente para poder usufruir da sua ajuda, àqueles que não me deixaram cair, àqueles que sairam de si por mim, àqueles que me ouviram vezes sem conta, que ampararam as minhas muitas lágrimas, àqueles que me aplacaram os gritos de dor, àqueles que nunca desistiram de mim mesmo quando eu desistia, àqueles que suportaram o meu silêncio sem dizer uma palavra, àqueles que deram e deram e deram muitas vezes sem receber nada em troca, àqueles que se mantiveram aqui, de pedra e cal, e me seguraram com as suas mãos ajudando-me a atravessar o deserto, àqueles que ainda hoje estão dispostos a fazer tudo de novo se assim for preciso... a eles, do cantinho do meu ser e com a plena noção de que terei que viver muitas mais vidas para me tornar num décimo do que eles são, a eles, digo e repito: não tenho palavras, acho que nunca vou ter.

"Ainda..?"

Ainda. Serei uma pessoa estranha? A maioria das pessoas diz que não. Eu... já não sei. E em conversa descobrimos que tenho uma corda com determinado comprimento, que está presa, que não estica. E eu estou na outra ponta, aos puxões, mas com consciência de que ela não é suficiente comprida para chegar onde deve, onde eu quero, que para isso ela tem que se desprender e que eu ainda não tenho força para o fazer. Mas vou tentando, não deixo de tentar. Puxo para andar em frente e para não ceder à força nas minhas costas e não me deixar puxar para trás. Mas, enquanto isso, fico no meio, nem atrás nem à frente, fico travada na terra de ninguém. E a energia que emprego na vontade de a soltar volta-se contra mim. O nó vai-se apertando cada vez mais, sufoca-me, aperta, aperta e fecha-me, comprime-me, tira-me o ar e bloqueia a vida que corre nas veias. Na terra de ninguém... travada em movimento e sentimentos, não me sentindo pertencer a lugar nenhum.

sexta-feira, junho 04, 2010

E a vida a atravessar-se pelo meio do post...

Pronto, não foi bem mas foi quase. Tudo isto porque peco em originalidade, eu e todos os lisboetas, que basta sentir a temperatura a subir e tem tudo a mesma brilhante ideia... não é que não haja lugar para todos, certamente que há, o problema é mesmo lá chegar... portanto, sim, peixinho mas sem as outras mariquices todas, pronto. Mas estava bom, estava sim senhor.

E ontem ouvi umas quantas vezes, e com mais atenção, umas vuvuzelas ao longe (não longe o suficiente, infelizmente). Percebi porque me irritam: serei só eu ou há mais alguém a pensar que aquele som "vai buscar" parecenças com eventuais problemas intestinais de um qualquer animal de grande porte, tipo elefante ou assim? Será essa a inspiração? África do Sul lembra selva que lembra bichos grandes que lembra sons associados aos mesmos... ? Será? É o que me parece, descobri eu, e não sei se gosto que seja este o sonido de apoio à nossa selecção. Quanto muito, o sonido para os receber quando ficarem pelo caminho, isso sim. Será que a Galp já estava a pensar nisso? Muito à frente...

E eu a pensar que hoje a malta fazia "ponte" e eu ia ter um dia descansadinho e, acima de tudo, silencioso... think again, think again, está cá tudo que é uma beleza!

Mas amanhã é fim de semana e o alento já é outro. E a cidade, a minha cidade, já começou a festejar: santos, arraiais, sardinha, bailaricos, manjericos e caldo verde! Gosto, gosto muito, quero ver se aproveito porque o ano passado... bom, o ano passado não foi bom em muitos aspectos e este hábito, este gosto, também não escapou à "mortandade"...

E hoje olho para trás. Tenho olhado muito para trás nos últimos tempos, não para lá voltar mas para fazer comparações...

E de repente, páro de escrever por uns instantes, disperso-me por outras lides e fico sem palavras, sem palavras. Um dos meus escritores preferidos, de quem acho que li quase tudo, morreu ontem. Não sabia e fiquei sem palavras. Fiz mais pesquisas para ter a certeza, podia ser alguém com um nome parecido, podia ser engano. Mas não é. Mais uma vez, o cancro levou a melhor. E de repente, na minha mente, a minha imagem numa qualquer livraria sempre à procura do seu romance mais recente, invadiu-me de tristeza. Porque era da minha "família", porque fazia parte de mim, porque os seus muitos livros que li estão cá dentro e eu e ele falávamos uma mesma língua, "entendiamo-nos". Porque agora já não vou ter um último romance para procurar... Estou mais pobre, o país está mais pobre, o mundo está mais pobre. Isto é uma m****...

quinta-feira, junho 03, 2010

Nouvelle cuisine

Hoje, a ementa deverá ser: peixinho grelhado acompanhado com legumes cozidos e espuma do mar e, para sobremesa, sol com crocante de brisa marítima.

quarta-feira, junho 02, 2010

Números

Doze, cinco, sete. Onze, três, dois. E às vezes um, um, um. Depende dos dias e não existe uma regra. Tento entender, pesquisar pormenores mas raramente o consigo. Escapa-me, utrapassa-me e como tudo o que não entendo, faz-me pensar em hipóteses, em explicações. Sete, quatro, seis e por aí adiante. Porquê? Porque não? De onde vêm? O que são? Porque foi hoje assim? E porque é que ontem foi diferente? O que querem dizer? O que querem dizer-me? Demasiadas perguntas quando o que devia fazer era ignorá-las, não as fazer, aceitar o que vejo e não deixar que o que está à minha frente me levante dúvidas. Não por saber as respostas mas por simplesmente não me interessarem nem umas, nem outras. Não deixar que façam nada, absolutamente nada. Serem indiferentes, serem apenas o que são e mais nada. Talvez um dia. Já foi pior, já me povoaram os sonhos, já me tiraram o fôlego, já me viciaram na sede de entender. Agora não, são mais inóquas embora ainda não totalmente. Talvez um dia, certamente um dia.

E isto... e aquilo...

Dia mais fresco para aliviar a caloraça de ontem que até nos fazia pingar dentro de casa. Nem o champanhe aliviou! (Se calhar, até foi ele o grande culpado...) E a agitação, correria de miúdos e o meu "afilhado" a mostrar a sua raça. Uma peste gira, é o que ele é. E eu babada porque gosto de miúdos espertos e agitados, porque ele até se parece um bocadinho comigo e tudo... ;). E a baby M. que há-de ser muito feliz, certamente, no que depender de nós todos. E o Mário Vargas Llosa a vir cair nas minhas mãos e os sorrisos que me provocou. Excelente, até agora excelente, mal posso esperar por chegar a casa para continuar. E o gato B. que hoje leva a sua primeira "pica" e a mãe dele que ontem já lhe pregou umas palmadas. Mais um agitado, acho que ele e o M. se vão dar bem... E a estranheza de certas situações e o carimbo virtual na testa da minha mente a marcar "prova superada!" (não havia um concurso qualquer que utilizava esta expressão?). E a M.L. que agora deu em imaginar desgraças constantes com a minha pessoa se não atendo com alguma celeridade. O medo, sem dúvida, de perder mais alguém. E o meu medo, dessa responsabilidade, de sentir que não me posso "perder", deixar cair, também por ela. E o meu medo, de tudo. Da vida, dos dias maus, das provas, dos "monstros", de mim. E a tarte de maracujá da avó M. (tantos Ms neste post...!) que trouxe debaixo do braço, bem haja, bem haja, que os deuses a conservem boa doceira por muitos e muitos séculos! E o sentimento de pertença, sim, ainda bem que se mantém, apesar de ter outras nuances que vêm de dentro. E o feriado de amanhã, e as visitas, e eu, eu a andar para a frente, a levantar-me todos os dias e a andar. Não "porque tem que ser", já não. Porque quero.

terça-feira, junho 01, 2010

Frase do dia

"O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente."
Mário Quintana

Exorcisando

Obrigando o corpo a trabalhar, tento manter o equilíbrio numa só perna, como flamingo a descansar uma das patas, enquanto coloco os braços abertos ao lado, cotovelo ligeiramente dobrado e mãos a receber a energia. Contraio os abdominais, a regra básica de Pilates, e tento fixar um ponto. Poderia ser a professora, escolha óbvia por estar mesmo à minha frente, mas não me sinto confortável a olhá-la olhos nos olhos, é algo que tenho dificuldade em fazer ultimamente. Tento a parede branca mas não serve. Ausência de pontos ou então profusão deles. Brancos. O rádio que canta a música suave que nos embala os movimentos lentos está de lado, não dá jeito. A dada altura encontro um ponto estável, firme, inequívoco. Descontraio, já escolhi a minha mira e continuo, como garça, finalmente dedicada ao equilíbrio em pleno. Mas, de repente, atento no que estou a fazer, observo e analiso a minha posição. O ponto que escolhi situa-se no chão. No chão. O meu pescoço está inclinado, a coluna não está direita, a cabeça baixa. Olho para mim e consigo imaginar-me facilmente estatelada à minha frente; olho para mim e vejo que o meu olhar me puxa. Para baixo. Pergunto-me porquê, porque terei escolhido aquele ponto, porque me sinto confortável com ele, pergunto-me porque é esta ainda a posição que me permite aguentar em pé. Tento erguer a cabeça e tremo, balanço, quase levo o pé ao chão. Tento escolher outra marca mas disperso e não me consigo fixar e entretanto o exercício acaba deixando-me a sensação absurda de incapacidade, de incumprimento.

Saio. Piso a calçada devagar, uma calçada por onde já passei outras vezes, noutros tempos. Os meus passos não são iguais a esses. Sigo, lentamente, tentando absorver o ar ainda quente das noites de Verão. Sigo e olho em redor para os prédios, para as árvores e novamente para a calçada que desenha o caminho que os meus pés percorrem. Não reconheço os meus passos, sinto-me a vaguear embora com destino. Evito olhar de novo para o chão, esforço-me por levantar a cabeça, erguer a minha altivez. E assim, forçadamente altiva, continuo o meu caminho enquanto a brisa passa ao de leve pelas lágrimas que entretanto resolveram acompanhar-me.

Depois... depois o escuro da casa recebe-me e eu mergulho nele e, com ele a segurar-me os ombros, solto os demónios presos na garganta como já não fazia há muito tempo...