quarta-feira, junho 23, 2010

Sala de espera

Observo. Não há nada mais para fazer. Os painéis luminosos vão mudando os números mas são todos diferentes, afinal qual é o meu? Respondem e concluo que é o mais atrasado...

Na televisão, o programa da manhã pergunta, em letras gordas: o que somos capazes de fazer para descobrir uma infidelidade? Felizmente está sem som...

De repente, chamam pelo meu nome. Querem que me inscreva, porque se enganaram e me fizeram andar às voltas entre edifícios e recepções e serviços e agora fazem-me passar à frente. Simpáticos. Enquanto espero no local indicado, ouço murmúrios nas minhas costas: vai passar à frente e foi a empregada que lhe disse! Uns são filhos, outros são enteados! Apetece-me virar e esclarecer a legitimidade da situação mas não o faço. Para quê? Estas pessoas não me dizem nada, não lhes devo nada e como hoje estou virada para dentro, o exterior não me afecta. Ainda bem senão acho que poderia vir a ser uma mistura explosiva. Inscrevo-me e a funcionária olha para mim de forma curiosa, quase como se quisesse perceber o que está por trás da informação que lhe dou. Nome, idade, estado civil, se já cá esteve com este "doutor"... De todas as vezes que respondo, olha-me nos olhos, inquisidora. Curioso.

Volto a sentar-me, de novo à espera de ouvir o meu nome. E aqui e agora, sou assim chamada à vida por vozes estranhas. Dizem o meu nome mas não sabem nada dele. No entanto, é comigo que falam, é o meu nome que pronunciam. Mas é só um nome, afinal. Observo e acho o local agradável, apesar da voz roufenha no altifalante, das conversas cruzadas, do barulho das chávenas de café no bar, lá na outra ponta. Observo e dou-me ao trabalho de tentar imaginar o que traz cada uma destas pessoas aqui. Numas, os males são evidentes. As outras, são parecidas comigo. Observam, esperam, pensam na vida e nada no seu rosto denuncia os seus propósitos.

Devia ter trazido um livro. Talvez ele me distraísse o suficiente para não me lembrar da primeira vez que cá estive. Era mais nova mas, acima de tudo, era mais eu. E aqui estive, com a "minha pessoa". Lembro-me do que dissémos, da sua expressão, do sorriso forçado mas bondoso de quem está preocupado mas não quer que se veja. Lembro-me do sorriso seguinte, o franco, porque afinal não havia nada com que se preocupar. Lembro-me da viagem de carro até aqui, da aventura que era metermo-nos em sítios onde nunca tinhamos estado e da satisfação de os encontrar à primeira. Mais algo que herdei...

Espero. Observo. Escrevo. Ouço a voz fanhosa e pontual para não perder a vez. Ainda não é desta.

Reparo que, afinal, talvez não venha fazer o que julgava. Percebi mal, pensei que passássemos directamente à acção visto haver já indicação nesse sentido mas, aparentemente, este "doutor" também tem que dar o seu aval por cima do aval do outro. Enfim... Sinto que vou perder tempo para ouvir o que já ouvi mas com uma voz diferente. Procedimentos, diriam. Certo. Será que ninguém consegue perceber que há aqui passos desnecessários?? Para quê dois carimbos, um por cima do outro? Pode ser que esteja enganada, pode ser. A ver vamos, quando chamarem o meu nome, sem saber nada dele.

O quadro de cortiça avisa que devemos tratar bem as pessoas com epilepsia porque podemos nós, um dia, ser também epilépticos. Bonito. Trata bem para depois te tratarem bem a ti, se precisares, e não trata bem porque sim, porque somos todos "patetas no mesmo autocarro".

De repente, passa o "doutor", o outro, o do primeiro carimbo. Olha mas não me vê. Se for como eu, que não fixo caras à primeira, nem sabe quem eu sou. E eu hoje sou só mais uma alminha no meio de tantas, do meio dos murmúrios e conversas disto e daquilo, perco-me no zumbido de fundo.

Algures, no meio da confusão sonora, lá ao longe, um som que parece de uma caixa de música, daquelas antigas com a bailarinha a rodar. Não percebo de onde vem mas a verdade é que me puxa daqui para um outro local, para uma loja de antiguidades, cercada de objectos pesados e com uma aura mística de pó e sol velado, que parece iluminar-se no momento em que a caixa é aberta. Giro.

E agora, finalmente, a voz fanhosa acorda-me a chamar por mim. E agora, a indicação do gabinete e o "doutor" a cumprimentar e a dizer-me que aguarde enquanto atende quem está à minha frente. Afável, sorridente, a fazer-me lembrar alguém que conheço. Agradeço e sento-me mais uma vez. Aqui, o barulho da sala de espera chega como de dentro de um poço, lá longe, abafado. Em compensação, o altifalante ainda se ouve mais.

Entro. Dou a carta. Pede para ver e "carimba por cima". Ou melhor, confirma o diagnóstico.
- Vamos lá então marcar... dia X pode ser para si?
- Pois, por acaso até não... é que faço anos, sabe, não me dava muito jeito...
- Tem toda a razão! Era o que mais faltava passar o dia de anos enfiada num hospital! Muito bem, então dia Y, pode ser?
- Pode, está óptimo.
- Bom, então diga lá: tem doenças? Toma algum medicamento?
- Sim, por acaso, tomo o S******.
(Silêncio... Expressão de estranheza...)
- Com esses olhos...? Tsss, tsss, tsss...
Bom, mas então está combinado. Venha, bem almoçada, e só precisa de aparecer e trazer boa disposição! Ah! E um livrinho já agora, que isto pode ser um bocadinho aborrecido. E se quiser trazer alguém para lhe segurar a mão...
- Não creio que vá ser preciso.
- Ora assim é que se fala!! Até porque eu também não deixava entrar!! Ahahahahahah!!!

(é impressão minha ou eu tenho o poder de só atrair médicos sui generis?)

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