Obrigando o corpo a trabalhar, tento manter o equilíbrio numa só perna, como flamingo a descansar uma das patas, enquanto coloco os braços abertos ao lado, cotovelo ligeiramente dobrado e mãos a receber a energia. Contraio os abdominais, a regra básica de Pilates, e tento fixar um ponto. Poderia ser a professora, escolha óbvia por estar mesmo à minha frente, mas não me sinto confortável a olhá-la olhos nos olhos, é algo que tenho dificuldade em fazer ultimamente. Tento a parede branca mas não serve. Ausência de pontos ou então profusão deles. Brancos. O rádio que canta a música suave que nos embala os movimentos lentos está de lado, não dá jeito. A dada altura encontro um ponto estável, firme, inequívoco. Descontraio, já escolhi a minha mira e continuo, como garça, finalmente dedicada ao equilíbrio em pleno. Mas, de repente, atento no que estou a fazer, observo e analiso a minha posição. O ponto que escolhi situa-se no chão. No chão. O meu pescoço está inclinado, a coluna não está direita, a cabeça baixa. Olho para mim e consigo imaginar-me facilmente estatelada à minha frente; olho para mim e vejo que o meu olhar me puxa. Para baixo. Pergunto-me porquê, porque terei escolhido aquele ponto, porque me sinto confortável com ele, pergunto-me porque é esta ainda a posição que me permite aguentar em pé. Tento erguer a cabeça e tremo, balanço, quase levo o pé ao chão. Tento escolher outra marca mas disperso e não me consigo fixar e entretanto o exercício acaba deixando-me a sensação absurda de incapacidade, de incumprimento.
Saio. Piso a calçada devagar, uma calçada por onde já passei outras vezes, noutros tempos. Os meus passos não são iguais a esses. Sigo, lentamente, tentando absorver o ar ainda quente das noites de Verão. Sigo e olho em redor para os prédios, para as árvores e novamente para a calçada que desenha o caminho que os meus pés percorrem. Não reconheço os meus passos, sinto-me a vaguear embora com destino. Evito olhar de novo para o chão, esforço-me por levantar a cabeça, erguer a minha altivez. E assim, forçadamente altiva, continuo o meu caminho enquanto a brisa passa ao de leve pelas lágrimas que entretanto resolveram acompanhar-me.
Depois... depois o escuro da casa recebe-me e eu mergulho nele e, com ele a segurar-me os ombros, solto os demónios presos na garganta como já não fazia há muito tempo...
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