segunda-feira, agosto 04, 2014

E eu disse um dia: já sei onde é o inferno, é ali.

Tenho estado um pouco de fora. Por alguma razão - que certamente Freud ou qualquer um dos seus pares explica - tenho-me mantido na margem do "não há-de ser assim tão grave". Olho de longe. De perto quando não tenho como evitar mas de longe, mantendo distância, a distância segura de quem não se quer envolver demais. Até porque não somos assim tão próximas. Até porque "não há-de ser assim tão grave"... Mas é. Afinal é. E sendo, tenho que me aproximar, saltar para a outra margem e encará-lo: é. "Já me começou a cair o cabelo, sabes?" Não sei, não sabia mas agora imagino e digo que isso não interessa nada, quantas pessoas ficam giríssimas de cabelo rapado. É mais nova que eu. Descreve que começou a cair por isso pediu ao marido para, no dia seguinte, levar a máquina: não queria ficar com peladas. E eu vi-me e imaginei-me e vi cabelo a cair à minha frente. Ou melhor, recordei. E pensei: faria o mesmo, exactamente o mesmo. É mais nova que eu. Começou a quimio porque afinal é mais grave. Aliás, é do mais grave que pode haver. Em pouco menos de um mês em que me afastei até fisicamente por força das circunstâncias, o palco rodou e o cenário "não há-de ser assim tão grave" foi substituído. Quando dei conta, era esta a realidade e o meu afastamento mais que físico, tinha que deixar de existir. Não somos assim tão próximas mas ela aproxima-se e eu não tenho o direito de não o fazer. É mais nova que eu. E eu digo que se dar aulas lhe traz alento então deve continuar e sim, eu vou às tuas aulas. Quando as puderes dar porque "já percebi, com a primeira sessão: no dia estou bem, dois dias depois não me mexo". É mais nova que eu. E peguei no telefone, chega de mensagens escritas, aproximei-me e falei, ouvi a voz, ri, fiquei a saber como será o processo: quimio, nova operação, prótese, mais quimio. E depois? Depois é rezar para que tinha ficado por ali. Sim, quinta-feira lá estarei. Nas novas instalações, claro! Que bom, um novo espaço! "É maior, sabes, vamos ficar melhor". Claro que sim, melhor. Melhor. Porque o que dá vida é viver. Melhor. Porque um dia queremos voltar a falar, a ver, a saber, e quando percebemos já chegámos atrasados. Melhor. Para, ainda que por momentos, fingir driblar o pior.

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