quinta-feira, dezembro 18, 2014

Clube dos Primos

De repente lembrei-me: composeste-nos um hino.

Não sei que idade tínhamos mas decidimos, naquelas férias de Verão, que os laços sanguíneos que nos uniam requeriam fortalecimento: tínhamos que criar uma entidade independente do resto da família, que nos representasse e ligasse por associativismo: o Clube dos Primos. Não sei que idade tínhamos nem sei qual de nós teve a ideia mas lembro-me que havia quotas, um tesoureiro, uma tenda como sede montada no quintal - onde reuniamos para discutir as medidas a tomar e discutiamos o último livro do Tio Patinhas -, um logotipo e uma bandeira e, claro, um hino que tu, prontamente, te ofereceste para escrever. 

Não gostei. Lembro-me de ter sempre uma certa vergonha que não conseguia explicar, vergonha dos holofotes que sempre se viravam para ti quando dessas matérias se tratava. Quando te reconheciam na rua ou pelo nome, quando te associavam à música... não gostava, era criança anónima e sentia-me mais confortável nesse papel. Por isso, quando o assunto era a tua arte, envergonhava-me sem querer e preferia manter-nos afastados. 

Mas nesse Verão, mais um Verão de primos e campo e cheiro a fruta e rio e tardes a escaldar como tantos outros, decidimos que seria também o Verão do nosso Clube. E tu ofereceste-nos um hino.

À memória vem-me o teu sorriso e entusiasmo, não porque te tivesse saído das mãos uma obra prima mas porque tinhas conseguido motivar e unir aqueles miúdos, miúdos muito pouco "artísticos" por sinal, à volta de uma letra e de uma música, com um empenho quase profissional! A excepção era eu, que nos genes trouxe a tua facilidade e ouvido, e em três pernadas decorei letra e música como quem bebe um copo de água. Mas eles não... eles não herdaram os teus dons musicais e tu tinhas conseguido pô-los a cantar, a esforçar-se por não errar nas notas, de cábula na mão, todos compenetrados. Lembro-me da cara deles, menino e meninas hoje tão adultos, adultos demais talvez; lembro-me de os ver nessa demanda e de, assim, me fazerem sorrir e ultrapassar o desconforto inicial.

Não sei que idade tínhamos, não sei qual de nós teve a ideia, não sei se, hoje, alguém conseguiria reproduzi-lo. Mas lembro-me de ti e de mim e de nós. E hoje lembrei-me do Clube dos Primos e tenho a certeza que qualquer um deles também se lembrará com saudade, com memória de tempos bons de infância: um dia, composeste-nos um hino: um dia tivemos um hino só para nós dado por ti.

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