Da mesma forma que o começo de um novo ano parece impor-nos a responsabilidade de estabelecer novas metas devidamente engalanadas pela convicção (ou mera afirmação dela) de que "este ano é que vai ser", também a volta à vidinha como ela é depois de "ir a banhos" me faz sentir que tenho que retomar a pega de caras - com o perdão à alusão tauromáquica - às decisões por tomar e aos problemas por resolver (ou àqueles que, por não terem resolução, resolvidos estão mas que não deixam de ser problemas aos quais temos que aprender a dar cama, mesa e roupa lavada porque eles já não vão a lado nenhum, connosco se deixam ficar). Como se no Verão tudo se tivesse suspendido, como se as férias servissem para descansar da vida toda, não só da actividade profissional. Talvez seja mesmo assim que me comporto ainda que não dê conta, talvez as férias me sirvam para praia e campo e sol e bebidas e comidas e amigos e família e viagens e... amnésia programada de modo temporário em parceria com tapetes grandes para albergar debaixo de si a varredura de tudo aquilo que me pesa e me complica a existência. Portanto, quando volto... volta tudo... Suspiro. Cá vamos nós outra vez...
Ao almoço, a conversa na mesa do lado versava a realidade. Tema talvez demasiado profundo para discutir à beira de uma sopa e de uma sandes deglutidas a correr mas, para as três criaturas que se debruçavam sobre a mesa e sobre ele, parecia demais pertinente tal era a compenetração e seriedade nas suas expressões. Desde a famosa "a realidade é aquilo que tu queres que seja" até à esotérica "porque o que é real para ti pode não ser para os outros", as frases feitas sucediam-se. Não estive presente no início da conversa pelo que não sei de onde veio e para onde ia mas, apesar de a parte que apanhei não me ter ensinado nada, tão cheia de vazios que estava, fez-me pensar que andamos todos à procura do mesmo, à procura de um sentido: sentido-direcção mas também sentido-propósito. O que me faz concluir que os nossos pais nos educaram mal. À minha volta (na vida e, se calhar, também nas mesas de almoço lá do bar) quase não encontro ninguém que não esteja desiludido, triste, cansado, mergulhado em inconformidade ou, pelo contrário, em resignação... E eu acredito que muito se deve ao facto de nos terem feito crer que podíamos ter a vida que quiséssemos com relativa facilidade. E não é verdade...
A geração anterior à minha viu-se a braços com uma sociedade conservadora e estrangulada, limitada em termos de recursos, em termos de perspectiva, onde só alguns privilegiados - ou à frente do seu tempo e com "tomates" a condizer - tinham oportunidade de vingar, se alcançar mais, de fazer mais, de ter uma vida mais próxima do que deveriam ser os seus sonhos. Nós não. Nós nascemos num mundo que já florescia em termos de oportunidades a todos os níveis: académicas e profissionais mas também pessoais: somos livres de morar onde queremos, de trabalhar onde e no que queremos, de ter relações pessoais com quem queremos, quando queremos, como queremos: somos livres de viver da forma que nos fizer mais felizes. Portanto, de alguma forma, foi-nos passada a ideia que que nós podíamos, sim, alcançar os nossos sonhos, que já nos era dada essa possibilidade se assim o quiséssemos e por isso lutássemos (sim, porque, verdade seja dita, nunca ninguém me disse que a felicidade me cairia ao colo sem que eu movesse uma palha até porque isso não seria nada condizente com a personalidade fatídico-velha-do-restelo da progenitora e até lhe causaria maus fígados ver-se a aligeirar seja lá o que for em prol da prole, convenhamos). Mas olho em volta e quase ninguém está a viver sonho nenhum... E, mais do que não os viver, não está, claramente, a saber gerir esses "falhanços". Como se nos tivessem estimulado no sentido de viver essa liberdade e possibilidades mas não nos tivessem munido de ferramentas para lidar com a frustração de elas não serem o que prometiam ser ou de nós não conseguirmos aproveitar todo o seu potencial, tudo aquilo que nos foi (e é) facultado.
Pergunto-me, o que deve fazer, então, esta geração? Esta geração que tinha tudo para ser estupidamente feliz e não é, não consegue ser...
Talvez não sejamos tão livres afinal. Talvez toda essa liberdade seja uma ilusão. Porque as convenções existem e continuam a afectar-nos, porque o medo não tem idade, porque liberdade não condiz com amarras psicológicas que também nos foram devidamente atribuídas logo à nascença, como se impregnadas na pulseirinha com o nome da mãe, porque é preciso coragem para procurar a felicidade a todo o custo e lidar com o que correr mal, com as desilusões, com as mágoas, com os ferimentos que nos causamos e aos outros e eu não sei se nós a temos, porque escolhas implicam ganhos e perdas e as perdas são f****as de encarar...
Portanto, temos liberdade mas não temos estrutura mental para usufruir dela...
Conclusão?
Preciso de férias. Daquelas mesmo, mesmo amnésicas!
O que a reentré faz a uma pessoa, meu Deus...
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