segunda-feira, março 18, 2019

Wish me luck



A propósito da sorte e do azar.

Mordo a língua apesar de saber que já é tarde: a irritação já se projectou na voz, os olhos já se voltaram para mim. Percebo-os e percebo o que dizem. Percebem-me. Disfarço, dou a volta, forço um sorriso e interesse por aquilo que não me interessa nada e que, aliás, até me faz mal. Mas dou a cara e ouço. E sorrio mais uma vez, sorriso amarelo, coração roxo de se apertar. E assim às cores engulo em seco, engulo o que me põem no copo também, engulo o picante mais picante que encontro no prato. Espicaço os sentidos para não sentir.

Respiro e isolo-me sempre que posso, sempre que, no meio dos festejos e gargalhadas e garrafas de cerveja que transbordam e salpicam e conversas cruzadas e música aos berros, esquecem a minha presença um bocadinho. No meu canto, na ponta da mesa, encostada à parede, uns milímetros afastada do grupo bastam para me fechar na minha redoma pessoal e tentar pensar. Condeno-me para logo a seguir me perdoar e voltar a condenar.... e ando nisto até alguém me forçar a interagir.

Mas a verdade é mesmo esta: a sorte e o azar existem. Existem e dominam a maior parte da nossa vida, assim é que é. O nosso controlo é tão limitado que chega a ser ridículo. E por mais que odeie não ter a sorte que queria ter, tenho que me desculpar: não depende de mim, nunca dependeu. E a raiva que sinto do que não tenho é humana, tão humana que dói: por si própria e simplesmente por existir.

Tenho vontade de escrever "não me perguntes nada, só quero dizer que não consigo ser sempre quem gostaria embora saiba que no fundo sou." Mas guardo para mim e aguento: há-de passar. Até uma próxima vez.

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