Não é raro hesitar dominada pela anciã noção de que não se deve falar no Diabo sob pena de o convocarmos sem querer e vir dessa forma a sofrer precisamente do que tememos. Não é raro vir aqui, olhar para o ecrã em branco e desistir também dominada pelo cansaço que sei que vou sentir depois. Passei demasiado tempo a fazer por me decifrar, a tentar entender os meus medos, as minhas ações, os meus pensamentos, as minhas tortuosas viagens à terra da angústia, da culpa e da desculpa, da saudade, do rancor, e o domínio de todos eles sobre mim. E também a tentar entender os outros. Hoje aceito-me, na maioria das vezes. Sou nação de Deus e Diabo, de mal e bem, de positivo e negativo, de preto e branco. Sou o que posso quando posso, almejo evolução e luto por ela todos os dias um bocadinho mas assumo e acolho os passos atrás, o reveses. Dos outros não digo nada e entendo pouco, já desisti.
Uma vez ouvi dizerem-me que não me viam "a fazer nada". Na altura, submersa, em modo de sobrevivência, e ainda que me parecesse desadequado da realidade que sentia e que me via a viver todos os dias em esforço, custou-me aceitar este entendimento alheio mas depressa percebi que não era mais que o seu contrário: o desentendimento de que não vê para além do que está à superfície e das afirmações exteriores e exteriorizadas. Como se o que se mostra e o que se diz que se faz fossem verdades absolutas quando, em algum casos, nem verdades são, verdades verdadeiras, verdades nossas, honestas, espelho de quem somos e não de quem queremos parecer, verdadeiramente sentidas. Na realidade, não passam de "verdades" fabricadas que queremos que se tornem reais, tal qual crianças a brincar ao "faz de conta". Talvez tenha sido esse o ponto de viragem no que concerne aos meus esforços - depois reconhecidamente vãos - em entender cabeças terceiras...
Nos meus dias que agora correm, o grande desafio já é outro: conseguir assistir ao desmoronamento de outros mundos à minha volta e aceitar que o filme da minha vida é diferente ao ponto de conseguir agradecer por ele sem temer que me fuja das mãos. E, acima de tudo, sem acatar culpa por isso...
Sem comentários:
Enviar um comentário