terça-feira, fevereiro 23, 2016

Da vida. Que não é para "meninos"...


























Lembro-me de ser miúda e de ouvir a minha progenitora afirmar, com propriedade e aceno de cabeça a condizer, que a vida era "muito dura". Já nessa época, do alto da minha adolescência, tinha aprendido (ou julgado até apreender...) que à minha progenitora não podia faltar um certo melodrama nas narrativas que fazia do que a rodeava e do que tinha já vivido. Revirava os olhos (eu) enquanto, sem explicar, (ela, a senhora minha mãe) se dizia experiente na matéria. Drama queen, chamar-lhe-ia eu hoje, por ser um termo de hoje, se hoje já não tivesse aprendido (e apreendido) a verdadeira acepção da coisa. Ou pelo menos, a minha.

Mas voltando... ouvia, revirava os olhos com impaciência e julgava-a melodramática. Vida muito dura? Mas porquê? Para mim, que vivia numa casa decente, tinha família, amigos, saúde, saídas à noite, dinheiro q.b, acesso a estudos, a viagens e demais pequenos luxos e uma vida pela frente a rebentar de possibilidades, a vida não era dura. E, salvo se estas condições não se mantivessem, o que não previa como muito provável, continuaria a não ser. E também não via que fosse para a progenitora sendo que ela usufruía de condições idênticas. Sim, até lhe dava um certo desconto se considerasse que a sua vida nem sempre tinha sido assim tão meiga mas sendo que as "desgraças" da sua existência eram passado, considerava então que se deveria referir a elas no passado também e não mantendo o presente do indicativo de expressão e de aceno, como fazia. Revirava os olhos e às vezes até "bufava"... Revirava os olhos do alto da minha adolescência. 

Hoje continuo a revirá-los em parte. A tendência para exacerbar emoções que lhe conheço continua a "bulir-me com os nervos", embora hoje já a aceite como fazendo parte do seu show, tão somente... É um género. Que me "bule com os nervos", é certo, mas é um género. No entanto, a dureza de que falava já não me é estranha... 

A vida é dura. É muito dura. Mas não a vejo assim apelidada por nos oferecer dificuldades. Até porque podemos sempre dizer que há quem as tenha maiores, caso até sejamos pessoas a quem a desgraça alheia serve de algum consolo... Mas é dura, sim... na forma como o faz. Não nos prepara. Não faz rodeios. Não nos avalia antes no sentido de perceber se teremos arcabouço para nos vermos a braços com a provação que nos irá entregar, seja ela qual for. Não nos poupa. Não. "Chapa-se-nos" na cara sem aviso prévio e sem qualquer meiguice. A seco. E agora aguenta-te... Não nos senta no colo depois nem nos dá palmadas nas costas. Não nos faz terapia. Não quer saber como iremos lidar com os seus efeitos. Não vai connosco para os copos afogar as mágoas nem nos consola dizendo que tem certeza de que vamos conseguir dar conta do recado, mesmo que seja uma mentira redonda. É dura. É curta e grossa. Pragmática. É fria e implacável. É de ir directa ao ponto com poucas palavras. Ou nenhumas.

Mais do que o que nos oferece, a dureza da vida está na dura forma como nos rebenta bombas na mão num lindo dia de sol. A seco. Agora aguenta-te.

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