terça-feira, março 20, 2012

Brinde às histórias de amor destes tempos que correm

Viviam juntos. Viviam juntos, com o que os unia e com o que os afastava, com histórias de cada um para trás, com planos dos dois para a frente, era um com o outro que queriam estar aceitando tudo o que os compunha. Um dia, o passado apareceu de repente e sem pré-aviso pôs-se à frente dos dois em forma de criança de três anos. Uma criança que ninguém sabia que existia, que passou a existir nesse momento. Com a criança nasceram os avós, que até então eram só sogros; com a criança surge a mãe dela, que até então era só ex qualquer coisa. A minha amiga tentou compreender e aceitar tudo da melhor forma, a minha amiga tentou incorporar esta nova realidade na sua vida e ir-se ajustando à medida que os acontecimentos a ultrapassavam. Percebia que ele não tinha sido tido nem achado, achava natural que os sogros estivessem encantados e que tentassem cada vez mais estreitar os laços com a ex qualquer coisa agora mãe da neta, orgulhava-se por ele que desde logo assumiu o seu papel o que a deixou ainda mais certa da sua hombridade. Enfim, depois do choque, do abanão que levou também ela, tentou compreender, ver o lado positivo e até ajudar o homem que amava a lidar da melhor forma com o assunto, acreditando que o que os unia seria forte suficiente para encarar esta empreitada.

O tempo foi passando, não muito tempo, e a minha amiga começou a deparar-se com algo com que não contava: ele, o agora pai, parecia perdido, desnorteado, com dificuldade em gerir toda a situação. Ao início, a minha amiga achou natural, de repente é pai de alguém, de repente os planos que tinha de futuro têm que passar a incluir uma criança que não conhece, de repente tem que gerir a mãe dela, os pais dele e as emoções de todos, de repente o seu mundo certinho e organizado passa a ter que contar com mais variáveis que não controla. "É natural", dizia ela, "é natural". Só que, a dada altura, começou a perceber algo mais...

Por várias vezes tentou abordar a questão, olhá-lo de frente, fazê-lo assumir o problema que teimava em negar. Mas ele resistia e ela, com cada resistência, adquiria mais certezas. Um dia, sentaram-se e ela disse de sua justiça: a mãe da filha estava cada vez mais presente e ultrapassando os limites do seu papel, os sogros "puxavam-na" cada vez mais para dentro de casa porque, "afinal de contas, ela é a mãe da neta", a criança ia necessitando de mais tempo e disponibilidade... a minha amiga começava a sentir-se a mais, posta de lado mas, ainda assim, estaria disposta, por ele, a suportar tudo isto. Por ele, por eles, pelo amor que os unia. O que não o era de todo suportável era ela sentir que esse amor estava abalado. O amor que era a sua base, o amor ao qual se agarrava como razão superior, o amor que lhe dava segurança começava a mostrar sinais de que as "suas pernas tremiam". Ele estava confuso, a vinda desta criança tinha feito reacender sentimentos antigos e ele começava agora, imbuído e encantando com o espírito de família mas talvez sem dar conta, a olhar para a outra pessoa questionando-se sobre "como seria se...".

Ele negou, aflito, ele próprio não o queria encarar, não o admitia, mas a minha amiga tinha certezas, aquelas certezas que se obtêm de alguns olhares, dos olhares que ela recebeu nesse dia à medida que ia falando. Não precisava de mais nada e por isso, de coração partido mas decidida, aconselhou-o a tentar encontrar-se, a tentar viver o que tinha que viver, a esclarecer a sua cabeça e o seu coração, a seguir o seu caminho. E ela, seguiria o dela.

Assim foi. Ele saiu de malas e bagagens e muitos sentimentos por organizar, ela ficou despedaçada, a olhar para o espaço vazio no armário.

Durante muito tempo não falámos mas eu ia-me apercebendo de que ela viajava, viajava até mais não. O gosto por outras terras, a necessidade de se afastar e o irmão comandante numa companhia aérea facilitavam o processo e ela deixou-se perder e esquecer pela Argentina, pelo Chile, pela África do Sul, pela Nova Zelândia, enquanto intercalava com um fim de semana ou outro algures na Europa. Às vezes, trocava comigo palavras rápidas para me dizer que estava tudo bem e que no mês seguinte ia não sei para onde.

Os dias foram passando, as palavras rápidas foram sendo trocadas aqui e ali, e a vida seguiu.

A semana passada aparece-me numa qualquer rede social e dispõe-se a pôr-me a par das novidades. Está grávida, vai ter o bebé no Verão. Feliz, explica que a sua vida deu uma volta de 360º e eu, preciosista, penso "deve querer dizer 180º..." mas disponho-me a ouvir.

Viajou muito, tudo o que queria, fez-lhe bem, renasceu, superou o duro golpe que a vida lhe resolveu dar. Pensou muito, organizou ideias, estabeleceu metas e objectivos. E nisto passaram-se quatro anos. Um dia, um reencontro, nem mais nem menos do que com... ele. Falaram, puseram a conversa em dia e ele contou-lhe que sim, tinha seguido os seus conselhos e tinha-se disposto a viver aquela outra história, com a mãe e com a criança, a tirar a limpo o que sentia, a perceber afinal o que queria da sua vida. Concluiu que adora ser pai, que a sua filha é linda e espectacular mas que a mãe dela não lhe diz nada. Concluiu que a única mulher que nunca lhe saiu do pensamento foi ela. A minha amiga ficou sem fôlego, a minha amiga só não caiu para o chão porque estava sentada, a minha amiga teve que se conter para não o agarrar naquele instante, a ele, o homem que quatro anos de viagens não fizeram esquecer. Encontraram-se mais vezes, conversaram mais vezes, e um dia olharam um para o outro e perceberam que estavam juntos de novo mas mais sólidos do que nunca. Porque tinham sido postos à prova, porque viveram o que tinham que viver, cada um por si, provaram o que tinham que provar a si mesmos, tiraram todas as dúvidas, porque esgotaram todas as outras possibilidades sendo que, no fim, o que ganhou foi a certeza de que o que os unia era realmente mais forte que tudo e que tudo o resto, tudo o que se tinha passado, tinha afinal sido o melhor que lhes tinha acontecido.

Foram, de facto, 360º.

E o bebé nasce no Verão...

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