"E a certas horas de certos dias este verso de António Sardinha lido aos catorze ou quinze anos regressa devagar, tinge-me por dentro, fica a tremer em mim como uma gota numa folha que não cai, não cai e eu cheio de vontade de me sentar ao colo de sorrisos que já não existem, de escutar vozes que se calaram para sempre, de sentir mãos que me abandonaram e cheiros que perdi: tanta coisa me deixou já. Dantes quando o mar recuava na praia ficavam sempre prendas para mim: a voz do meu avô, seixos mais lisos que a minha pele, longos braços de algas, dedos que me pegavam devagar na mão, um murmúrio de felicidade secreta, os saltos das minhas tias no corredor pronunciando o meu nome (...)"
António Lobo Antunes
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