"Às vezes, tenho medo". "Às vezes", dizes tu. E eu ouço as palavras, o "às" e o "vezes", e sei o que querem dizer, mas o tom que os acompanha e a expressão do olhar dizem que este "às" é modesto e discreto, não se quer apresentar cheio de si mas, no fundo, não é um "às" mas sim um "muitas"... "Muitas vezes", assim é que é. E é um medo que te sussurra ao ouvido quando deitas a cabeça na almofada e te libertas das capas rígidas de cera moldada que te cobrem a maior parte do tempo. É um medo que se mostra quando não tens nada a perder e estás só contigo e com a escuridão do quarto. Já foi pior? Já. Já te prendeu a respiração, dilatou as pupilas, já te fez fechar as mãos com força para que não tremessem. Já foi pior. Mas ainda assim... ainda assim é um medo chamado "muitas vezes". Um medo menos medonho mas que ainda continua a dar pelo nome de ..."muitas vezes"...
Medo de não ter mais forças um dia, medo dos outros, pessoas e momentos, e das "cartas pretas", do inevitável, do incontrolável, tu ou o que vier, medo da dor, dos murros no estômago, de que voltem os dias de antes, os dias de aperto constante no peito, medo de cair e não te levantares mais, medo de cair outra e outra vez, medo da travessia, medo de não teres aprendido nada e que baste um sopro para que o desequilíbrio se instale. Medo da fragilidade, a tua fragilidade, que se deu a conhecer de forma tão imensa, tão profunda que até se podia julgar que não eras apenas uma pessoa mas muitas mais num corpo só. Medo de ti e dos tremores que de vez em quanto te assolam. Medo de que nunca consigas viver, de forma plena e verdadeira, com o copo, o tal copo, que existe mas que nunca mais vai ser inteiro. Medo de que tu não o voltes a ser.
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