Não sou pessoa do amargo. Sou pessoa do doce, do salgado, do picante, do ácido mas do amargo não. O amargo é corrosivo, não mata mas mói. É companhia desagradável que vai ficando, ficando, e mesmo que subtilmente, acaba por estragar o ambiente. Parece que já nada é bem o mesmo depois de o amargo se instalar.
Ultimamente, quase tudo me sabe a amargo. Ou melhor, o sabor que perdura é amargo. Café, cigarros, bife com ovo a cavalo, mousse de chocolate, tudo. Diria que o dente em processo de desvitalização não deve ajudar mas este é só mais um "penetra" que se veio juntar à festa. Porque é coisa que vem de dentro, existe para além das fronteiras gustativas, é o amargo instalado no geral.
Mente amarga que gera pensamentos amargos, conclusões amargas, visão amarga das coisas. O amargo que assume a forma de palavras, olhares, trejeitos. Que condiciona a postura da alma, a maneira como se enfrenta a vida. E o amargo que dobra as costas, que tenciona os ombros e o pescoço. Que faz aparecer borbulhas de adolescente já fora do prazo e que afunda as olheiras e as rugas. O amargo que tira o gosto pela cor, pelo espelho, pelas pequenas coisas que pintalgam a vida. O amargo que se manifesta na forma de desinteresse generalizado.
Não é bom e quase que nos leva ao engano de dizer que não é mau. Porque não é violento, agressivo, contundente, barulhento. Não faz chorar, não desespera, não dói. É simplesmente... amargo. Mas é mesquinho, manhoso e infiltra-se. Envolve como névoa, daquelas bem espessas e negras, e faz-nos deixar de sentir. Coloca-nos num estado de dormência tal que nos torna imunes a qualquer tipo de sentimento ou emoção. Do bem ou do mal.
Não sou pessoa do amargo. And yet... abri-lhe a porta sem dar conta. Agora só me resta fazer-lhe sala até ele se decidir por outras paragens.
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