segunda-feira, junho 06, 2011

Politicando

"Mais depressa do que sonhou. Com mais votos do que se pensava. Com a coligação preparada à nascença. Com um programa liberal. Com o País carente. Com a troika amigada. Pedro Passos Coelho já só depende de uma coisa: de si mesmo. Não é pouco. Mas já tem muito. Até porque o País virou à Direita. Ou virou as costas à Esquerda. O PSD teve uma grande vitória, o PS teve uma derrota humilhante. Esta observação encerra outra, a de que a Direita tem hoje a legitimidade governativa que esbanjou com Durão Barroso e que não teve com Santana Lopes. Vinte anos depois da segunda eleição de Cavaco, há a primeira eleição de Passos Coelho. Com Cavaco em Belém. O "povo pá" só não lhe deu a maioria absoluta. Mas deu-lhe a folga suficiente para sair melhor que a encomenda. Para ser um primeiro-ministro forte, que trabalhe com a troika e não para a troika. Que não fique refém de Paulo Portas no Governo, nem de Cavaco Silva na Presidência. Nem de José Sócrates no PS. A história que começou ontem terminou outra. Sócrates ruiu. É o primeiro primeiro-ministro a perder uma reeleição em democracia (Santana não havia sido eleito). Sai com um discurso digno, de um político que o será sempre que o deixarem e que o quiserem. Mas sai com o PS humilhado nas urnas. Deixando a esquerda no chão. E o País subjugado. Nos próximos meses, uma numerosa matilha pontapeará Sócrates. O poder é assim, eflui. Muitos dos que o arrasarão agora não abriram a boca durante anos ou sentaram-se na mesma mesa, mas Sócrates não se pode queixar, foi ele que escolheu os seus aliados. Alguns serão agora aliados de Passos. Ontem, José Sócrates foi corrido do País. Varrido do PS. Como já se percebeu, o assunto não vai ficar por aqui. Portugal livrou-se de José Sócrates, mas José Sócrates não se livrou de Portugal. Que não seja por ajuste de contas. Sócrates é agora um passado em que Portugal não pode ficar cismado. Pedro Passos Coelho é o novo futuro em que Portugal confiou. Desta vez, a Direita não se mascarou de centrão. Como escreveu Pedro Marques Lopes a meio da campanha, o programa eleitoral muda tanto a face do PSD que devia mudar-lhe o nome. Pedro Passos Coelho é liberal. Essa convicção será testada. Mas não foi dissimulada. E ganhou as eleições. O discurso de ontem não foi o mais empolgante. Nem estavam milhares de pessoas no Marquês de Pombal. Mas isso não é necessariamente mau - foi de triunfalismo em triunfalismo que chegámos a este estado de estupor. Mas isso é um aviso a Passos Coelho: o "povo pá" já não tem ilusões. Já não suporta mais ter desilusões. Ontem, não passou um cheque em branco, fez um voto expresso: governem. Não basta cantar o hino: governe. Passos Coelho vai ter o estado de graça mais curto de sempre. Sócrates teve mais de dois anos de boa imprensa, Passos pode não ter sequer dois meses. O País está sem graça, nada mais é de graça e até a sua graça pode mudar, com as placas da fronteira a passarem de azul para amarelo e no lugar de "Portugal" estar escrito "Em Obras de Reabilitação, prometemos ser breves". É desgraça mesmo. Passos Coelho tem de fazer um Governo bom e depressa. Para cumprir o plano da troika já. Para resistir às pressões. Começando as que se movimentam na própria composição do Governo. Que seja a pensar nas consequências e não nas causas. Que largue os equilíbrios estilo "cinco para mim, três para ti, um para o outro, outro para os de lá, três da loja e dois da fé". A receita tem de ser outra. Começando por dois ministros: o das Finanças e o da Justiça. Passos tem o voto. Tem o conforto disfarçado da troika. É preciso coragem. Para fazer o governo rápido e bom; para ter grandes ministros; para fazer as privatizações bem, para destapar faces ocultas, destruir a corrupção mas não o Serviço Nacional de Saúde. Sobretudo: para não deixar substituir uma quadrilha por outra. Porque ela já está a agrupar-se. Como sempre. Se ele cede, ela apropria-se. Como sempre. Os grandes líderes libertam-se das ameaças dos outros e dos seus próprios medos. Só um líder forte escolhe pessoas melhores do que ele próprio nas suas áreas. Pessoas que não lhe dizem a tudo que sim. É desses que Passos Coelho precisa. Não há Ernâni Lopes. Mas há muitos grandes ministros das Finanças no País. Até presidentes de bancos. Até presidentes de empresas. Haja coragem para fazer o convite. Haja coragem para aceitá-lo. Os portugueses deram a Passos Coelho o poder que ele nunca teve. Incluindo o poder de detonar as críticas feitas amiúde, de inexperiência e de falta de autonomia face aos que o rodeiam. Foi Marco António Costa que lhe deu o PSD. Foi Miguel Relvas que o levou às urnas. Foi com a estratégia de Dias Loureiro que a campanha virou. Mas foi ele quem ganhou. E é agora ele quem será primeiro-ministro. Ele. Eleito. Pelo povo. Não é só o poder que faz o homem. É também o homem que faz o poder. Tome-o, o poder. Agora use-o - Senhor Primeiro-Ministro."


Por Pedro Santos Guerreiro (Jornal de Negócios)

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