"Faz parte", disseram-me um dia. E eu repeti quando chegou a minha vez. Juntas na areia, falávamos sobre reconhecer os corpos, reconhecer a morte, olhar para ela de frente e assinar em baixo confirmando que sim, ela aconteceu. E eu disse "faz parte". Juntas na areia dissemos o que sabíamos, demos o que tinhamos para dar, o que aprendemos, para que a outra o utilize não ocultando, no entanto, os desvios de nós próprias, como nem sempre agimos de acordo. Também faz parte, acho eu.
Os sonhos fizeram tréguas. Talvez já não tenha perguntas. Talvez ainda as tenha mas já não me interessem as respostas. Seja como for, agora apetece-me dormir, dormir muito, dormir tudo o que tenho mal dormido nos últimos tempos. Quero dormir por dormir, só isso, sem que o meu cérebro utilize a noite e o meu estado semi-comatoso para elaborar e esmiuçar o que, durante o dia, me ronda sem destino, o que não encontra saída. Talvez já não interesse a saída, talvez tenha finalmente morrido na praia, talvez já não haja mais grande trabalho a fazer. Dá ideia que também ele, o meu cérebro, resolveu desistir, pôr de lado, desprezar as emoções já em carcaça que há muito não acrescentam nada como não acrescenta nada o que não tem vida. Talvez. Sinceramente, não quero saber. Quero só dormir o sono despreocupado a que tenho direito.
Morte. Dizem as cartas entendidas na matéria que significa renovação. Acabar para recomeçar. Morte. Sim, sentadas na areia te digo "é vital reconhecer o corpo". Faz parte. E ainda bem.
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