Devarinho, aos poucos, cada ano que passa consigo dar mais um passo, cada ano que passa consigo que as luzes me firam menos os olhos, que o cheiro a canela me adoce em vez de me repelir, que a perspectiva dos dias festivos me confira brilho em vez de me embaçar. Um bocadinho mais. Um bocadinho de cada vez. Em cada ano, começo a voltar a mim, a ultrapassar o engulho que a entrada no último mês me tem vindo a provocar, a angústia de ter que sobreviver a ele, o tormento das festas outrora tão queridas. Aos poucos.
Num ano, o primeiro, escolhi a dormência e a fuga logo a seguir. Depois, no seguinte, quase que só a tactear de forma a controlar a náusea, fiz uns poucos embrulhos, mantive as bolas e fitas adormecidas na sua caixa, cumpri o meu papel e suspirei de alívio por não me ser exigido mais. No outro, e porque sempre houve quem não me quisesse deixar cair e se esforçasse para me puxar para fora do buraco da melancolia, dei as minhas mãos aos enfeites de uma outra árvore e dispus-me à fornada de biscoitos por mim inventada, ainda que em cozinha alheia, na ilusão de que o "fazer" pudesse mudar o "sentir", não conseguindo, no entanto, evitar alternar entre entusiasmo e vontade de fugir...
Hoje, no dia de hoje, reparo que já vamos a meio do mês e que as luzes me fizeram ir de novo para a rua. Hoje noto que a lista do-que-dar-a-quem, feita só agora de forma natural e leve, já não me pressiona contra a parede; hoje sinto que o meu espaço, o meu novo espaço, me impele a dar-lhe cor e luz, como tela em branco, limpa e fresca, pronta para ser preenchida por uma outra vida; hoje tenho vontade de me mexer entre tachos e panelas a fumegar, os meus tachos e as minhas panelas, e presentear quem me rodeia com os meus sabores; hoje tenho vontade de fazer embrulhos; hoje quero voltar a fazer uma árvore, nova e diferente; hoje quero perfumar-me com os aromas da época. Nem que seja só um borrifo. Porque hoje, pelo menos hoje, o meu Natal voltou a ser um bocadinho bom.
Sem comentários:
Enviar um comentário