O último dia de trabalho antes das férias. Como sempre, tudo organizado, tudo em dia porque não aceito telefonemas fora daqui. Já avisei, se me ligarem, não atendo, pronto! E nada de usarem a V. para me enganar porque, se for preciso, também rejeito a chamada dela e indago antes, via sms, "qual é o tema?" para me certificar (como é bom aprender com os outros...!).
Acredito em marcos. Marcos na vida, a partir dos quais tudo muda. Na maioria das vezes só damos por eles depois, olhando para trás, só quando um dia acordamos e nos sentimos diferentes é que percebemos qual foi a pedra de toque. Mas sou uma "crente", como dizia no outro dia, uma das minhas mais recentes descobertas sobre a minha modesta pessoa, é a fé. Sempre soube que a tinha, nunca pensei que a dita chegasse a roçar a estupidez como já várias vezes pude verificar... Mas enfim, sou uma "crente", é um facto, e acredito em marcos e espero por eles, anseio como pão para a boca pelos pontos de viragem. E até tenho a veleidade de os tentar identificar antes, como quem vai na estrada e conta os passos e sabe que o km X vai aparecer dentro de momentos. Tenho fé neles mas tenho fé sobretudo em mim, vejam só... E com essa fé aqui vou de férias, com essa fé cá dentro, espero, atenta, para não os deixar escapar.
Museu da electricidade. (Mulher para o marido: "Portanto, então aqui era onde se fazia a electricidade, é isso?"). Um ambiente único a pedir para ser explorado por mais tempo. O meu olho a focar os imensos pormenores que dariam óptimas fotos: o compartimento das "brasas", os mecanismos gigantes, as maquetes (como eu adoro maquetes!), as pilhas de cinza, a bola de energia azul... a voltar, sem dúvida, a voltar.
E a calmaria nos telefones, nos emails, na papelada em cima da mesa (que no meu caso nunca é muita, sou muito arrumadinha e adepta de capas, dossiers, etiquetas, prateleiras e demais material de escritório que me permita ter a mesa livre e desimpedida). Calmaria também do outro lado, o lado que nos alimenta o resto da vida. O toque, o telefonema, o "estou aqui", o "penso em ti, minha querida, e estou com saudades tuas". Sei bem que os meus amigos pensam em mim, sei bem que o seu afecto foi uma das tais coisas que resistiu à mudança, forte como sempre, e passou comigo para o lado de cá do vidro. Mas gosto de senti-lo na pele não só de pressenti-lo. Não gosto de fazer férias dele, não...
Há qualquer coisa de místico em viver com cinco pares de orelhas pontiagudas, nem que seja temporariamente. Estou sempre acompanhada, mesmo quando não os vejo, porque eles vêem-me sempre. Omnipresentes.
Alívio. Conto com alívio. Pensamentos aliviados, obrigações aliviadas, alívio dos traços e expressões do rosto (sim, porque o veterinário giraço de ontem tratou-me por "senhora"... estúpido, deve ser míope...), alívio da alma. Alívio do sono.
O vidro. O vidro e as marcas das minhas mãos suadas nele. O vidro e a minha respiração que o embacia. O vidro grosso, inquebrável, como aqueles que guardam peças de museu. O vidro e eu a deslizar por ele abaixo, a encostar a cabeça cansada dos encontrões, a certificar-me que a marca das minhas mãos descreve o caminho até ao chão. O vidro e eu, o vidro que já não é fresco ao toque, que começa a ficar embaciado e sujo, que começa a perder a sua transparência e a engolir o que está do lado de lá.
E sim, ia jurar que me tinhas tapado durante a noite. Talvez por estar ali e ter voltado a sentir-me pequenina. Gostei do que senti, estava em casa outra vez.
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