quarta-feira, novembro 16, 2011

Inauguração

Começo aqui um novo capítulo. Deixo, de vez em quando, de falar de mim ou das coisinhas do meu mundo e dou largas à imaginação. Invento coisinhas dos mundos de outros, dos mundos de qualquer um. Vamos ver como corre.


Com os olhos bem abertos a fixar os meus disseste: "Amo-te, adoro-te, e é tão fácil amar-te, o difícil é tudo o resto...". E viraste as costas deixando no ar uma nuvem de perfume. Fiquei ali, parado no meio da rua, a ver-te seguir o teu caminho, viraste as costas e não olhaste mais para trás. Fiquei quieto e a sorrir porque disseste que me amavas e o teu perfume ficou e continuava a envolver-me, sorria porque me amavas-me e o tom do amor na tua boca era tudo o que eu queria ouvir. Mas, a pouco e pouco, quanto mais te afastavas, o sorriso que me ofereceste começava a esmorecer. Tentando processar a informação, o meu cérebro masculino ameaçava entrar em colapso porque a equação que me apresentaste não parecia fazer qualquer sentido...

Pensei naquele comediante norte-americano que tu adoravas e que uma vez ouvimos descrever a diferença entre o cérebro das mulheres e dos homens. O dos homens é composto por compartimentos estanques de sentimentos e pode-se dizer que se assemelha à arrecadação de um prédio. Entra-se por um corredor e há portas dos dois lados, cada uma dando lugar ao seu espaço, nenhum comunicando entre si; cada espaço corresponde à sua verdade, em frente existe o espaço oposto. Por exemplo, temos o Bonito e o Feio, o Doce e o Amargo, o Amor e o Desamor. A acrescentar, cada sentimento ou sensação comporta na sua casinha as suas devidas respostas, as alternativas fornecidas ao humano em causa para dar seguimento ao sentimento-mãe. No caso do Doce, a resposta poderá ser um sorriso ou a busca da receita daquela sobremesa que a minha avó fazia ou ainda uma chamada de atenção por causa da diabetes hereditária, quem sabe.

A tua frase avançou pelo corredor encabeçada pelo Amor e a essa porta se dirigiu mas ao entrar percebeu que não existia ali forma de lhe dar seguimento, a resposta que trazia na cauda não estava prevista no leque correspondente, a frase que me deste era uma equação errada, mal elaborada, junção de elementos que não se podiam compreender num mesmo espaço. Não era ali considerado possível que a resposta ao "Amor" fosse "Virar as costas e ir embora sem olhar para trás". E assim, a tua e minha frase ficou perdida no limbo do corredor, sem saber para onde se virar, orfã de porta onde bater.

Fiquei parado no meio da rua, já sem ti no horizonte e os meus olhos nublavam com a sombra da equação impossível a latejar no meu cérebro. Não a entendia, não a conseguia entender, não conseguia fazê-la pertencer a lugar nenhum, não conseguia que produzisse nenhum resultado lógico. O resto da tarde, no escritório, foi passado a escrevinhar num papel diversas hipóteses de sequências com os elementos que me deste na esperança de encontrar a formulação correcta para que tudo, afinal, fizesse sentido. Não consegui. À noite, juntei-me ao André e ao Rodrigo no bar e expus-lhes o problema entre uma imperial e outra e como resposta obtive silêncio, nenhum deles conseguiu encontrar a solução. Mais tarde, deitei a cabeça na almofada com o teu perfume entranhado, o cérebro masculino cansado de não entender e adormeci enrolado na crueldade do amor que me deste.

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