quinta-feira, novembro 17, 2011

Memórias fotográficas

O mote foi a reunião de família, ainda que para já só cibernáutica, de uma família extensa, e por isso em muitas ramagens afastada de mim, que se quer agora, enquanto entidade única que sentimos que é, unir-se um pouco mais dando-se a conhecer entre si. Partilhamos o apelido mas não só, somos oriundos de um mesmo sangue que correu nas veias de oito avós - no caso de alguns de nós, já bisavós e até trisavós- oito ramos de tios e tias, primos e primas. Sou uma de muitas pessoas que faz parte de um deles e como tal também eu me incumbi de resgatar dos velhos álbuns fotografias de mais velhos ainda novos, mais velhos já velhos, de novos que hoje já não o serão tanto assim, de novos que representam as folhinhas mais verdes da árvore começada pelo par de base de onde saíram os oito primeiros rebentos. Imbuída do espírito de missão familiar, lá tratei de "meter as mãos na massa" e viajar no tempo.

Enquanto o preto e branco reinava, senti-me a assistir a um filme dos anos trinta com a curiosidade que sempre despertam as indumentárias, a pose, os hábitos e cenas da época. Um filme onde eu não entrei, um filme onde encontro quem cheguei a conhecer mas participando num outro espaço e num outro tempo, numa outra vida distante da minha. Mas a cor chegou e com ela os retratos de uma realidade bem mais próxima.

Por várias vezes sorri com esta ou aquela expressão que tão bem conheço, com a lembrança do momento bom que representa. Mas o mesmo número de vezes, se não mais, fechei os álbuns como se fecha os olhos num filme de terror, de repente, com força e apertados para não sentir o que já espreita, o que já vimos de relance, o que já nos faz tremer o coração. Porque estas viagens no tempo, em milésimos de segundos, levam-nos de volta às sensações, áqueles frames de vida e, ao mesmo tempo, picam-nos como agulhas como que a certificar-se que não perdemos a noção de onde nos encontramos. Em simultâneo, devolvem-nos os momentos e retiram-nos deixando apenas o rasto de dor do que se perdeu, do que já não é.

Continuei, um olho aberto apenas espreitando, outro fechado, porque era uma missão que estava em causa, uma missão com o tamanho de oito ramos da qual depende a alimentação colectiva de memórias, não podia falhar. Sem me deter nas sensações e nas batidas do coração, folheei com a rapidez possível e seleccionei o que pretendia. Já em andamento, com alguns pedaços de história familiar na mão, entendi. O que mais doeu não foi rever pessoas que já não estão, momentos que não se repetem... O que mais doeu foi voltar a uma vida anterior, à minha vida anterior, e sentir que ela continua fatidicamente próxima, pertença minha por natureza, como se da realidade se tratasse, como se nunca tivesse deixado de existir, como se o hoje fosse só um pesadelo que a qualquer momento termina e me devolve ao que é realmente meu.

Entendi. Não se deve folhear memórias enquando elas ainda não são só memórias...

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