quarta-feira, novembro 30, 2011

O resgate

Começar uma conversa ouvindo "foi decidido" quando se fala de algo que afecta todo um grupo onde eu, por mero acaso!, estou incluída, provoca-me logo manifestações alérgicas em vários pontos do corpo. A partir daí, e já com o mal instalado e a fazer comichão, é-me difícil controlar a contrariedade encavalitada nas palavras, no tom de voz, nos suspiros e nos maxilares apertados. Por isso, o que sai, sai arrevesado e é arrevesado que é entendido, pois claro.

Foram duas ou três coisas um pouco carregadas de azedume. A conversa em vez de fluir começou a emperrar, o amargo sentia-se na boca. Do outro lado, ouço a afirmação do meu mau feitio e concordo. Ou melhor, percebo porque o diz embora não concorde com o que julga fundamentá-lo. Porque não é a mudança... é a mudança para pior.

A crise e os tempos que correm são as desculpas e eu, apesar de as entender, não acredito totalmente nelas. Se existe um caso ou outro em que essa é a fundamentação real, na maioria é apenas a rainha da bateria que dá a cara pelo desfile. Na base estão o descaso, a falta de tempo e paciência, a desvalorização, o desprendimento, tudo o que nasce de negativo quando o que se instala no coração é somente a obrigação.

Para mim tudo faz parte do Natal. Família, consoada, bolo-rei, luzes e enfeites, música, barulho, risos e animação, determinados filmes na televisão e também... prendas. Sim, prendas! Pequenas ou grandes, não importa, com papel de embrulho e laçarote, com o nome todo bonito em etiqueta ou escrito algures onde se consiga ler, debaixo da árvore, em pilha, à espera da meia-noite. Prendas. De quem quis dar a quem vai receber. Prendas. Faz parte, sempre fez, tem o seu simbolismo como qualquer outro dos elementos e faz parte da festa, da minha festa.

Talvez seja a criança que há em mim, talvez porque não queira que morra, talvez porque na realidade já tenha "morrido" muito mas mesmo assim continue a recusar a machadada final... Eu sei que nada, nunca mais, será como dantes, que os meus olhos não reflectem da mesma forma o brilho das luzes natalícias, que a alegria custa a entrar no coração magoado, que o cheiro a canela e açúcar vindo da cozinha da minha mãe já não é tão especial mas algo em mim subsiste, algo de quem eu sou sobrevive... já muito se perdeu, tanto que não conseguimos controlar, não valerá a pena salvar o que resta, resgatar o que ainda é possível?

"Foi decidido", disseram-me. Mas eu decidi o contrário. Vou dar prendas, feitas por mim, a cada um deles. Vou fazer a lista, escolher os ingredientes, adequar aos seus gostos, embrulhar, colocar fita a condizer e nome, como sempre, como faço desde pequena. E no dia, vou colocar debaixo da árvore e vou esperar pela meia-noite para os entregar. É o que posso salvar. Tenho esperança que amanhã olhe para trás e veja que, com esta minha pequena teimosia e na realidade, quem foi salva fui eu.

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