quinta-feira, janeiro 24, 2013

História

Podia contar-te a minha história. Mas prefiro, para já, ficar a olhar para ti enquanto contas a tua. A tua que queres contar. Podia contar-te a minha história mas pergunto-me se a queres saber... é a primeira vez que estamos assim, frente a frente, com espaço e tempo para sentirmos quem está do outro lado da mesa. Desde o dia em que nos conhecemos, porque amigos em comum imaginaram em nós empatia, três emails, várias mensagens, dois telefonemas e, finalmente, o convite para jantar. Aqui estamos. Podia contar-te a minha história mas será isso que se quer de uma primeira vez? Não... não se quer passado, traumas, outras vidas, outros amores. Isso vem depois. Numa primeira vez quer-se ilusão, quer-se brilho nos olhos e expectativas, quer-se folha em branco onde se poderá começar a escrever uma nova história cheias de possibilidades... quer-se início e não fim. Podia contar-te a minha história mas não acho que consiga ultrapassar o olhar que te adivinho e que irá denunciar a contrariedade em ter que lidar com a podre normalidade quando o que queres é que, desta vez, seja especial, diferente, sonho, nem que seja só por hoje. Podia contar-te a minha história mas não acredito que a vás entender. Parecer-te-á uma história banal, como tantas outras, uma história de toda a gente, de perdas e corações partidos, igual à da prima afastada ou às dos romances. Vais dizer que sim, que percebes, se calhar que até já por lá passaste, mas não vai saber como a senti eu, a essa história banal, não vais compreender como sulcou traços novos no meu rosto, como me fez ter pesadelos nunca antes tidos, como alimentou monstros de mágoa e dor e ódio e quase me fez deixar ser consumida por eles, como me fez duvidar de quem era. E me fez desistir de quem era. Porque não me conheces o antes, não me conheces o agora, não sabes qual é o ritmo do meu coração nem onde estão os meus terminais nervosos, não sabes de onde vim e o que trouxe nos meus genes, não sabes em que sentido circulam os meus medos, as minhas paixões, os meus desejos. Não sabes o significado dos meus sorrisos nem dos meus suspiros nem das palavras não ditas. Podia contar-te a minha história mas não acho que a mereças saber, para já. É preciso saber-me para saber, é preciso entrar em mim para entrar em mim... Podia contar-te a minha história mas não o vou fazer. Vou fingir, aqui e agora, sorrir, gracejar, fazer charme, dizer coisas inteligentes, pousar como mulher resolvida, sem medos e sem bloqueios, vedeta de Hollywood que vende sonhos por atacado. Vou ser o que queres que seja, o que eu quero ser hoje, mesmo que só hoje. E vou enganar-me convencendo-me que tu também só és uma folha em branco.

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