"Há uns tempos a Joana:
- Pai acabei um namoro à homem.
Perguntei como era acabar um namoro à homem e vai a miúda:
- Disse-lhe “o problema não está em ti, está em mim.”
O que me fez pensar como as mulheres são corajosas e os homens cobardes. Em primeiro lugar só terminam uma relação quando têm outra. Em segundo lugar são incapazes de dizer “Já não gosto de ti”, “Não quero mais” e chegam com discursos vagos, circulares como “Preciso de tempo para pensar”, “Não é que não te ame, amo-te, mas tenho de ficar sozinho umas semanas” ou declarações do género “Tu mereces melhor do que eu”, “Estive a reflectir e acho que não te faço feliz”, “Necessito de um mês de solidão para sentir a tua falta”. E dizem aos amigos “Dá-me os parabéns que lá me consegui livrar da chata”, “Custou mas foi”, “Amandei-lhe aquelas lérias do costume e a gaja engoliu”, “Chora um dia ou dois e passa-lhe”.
E pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar (chichi, sede, fome, a janela de que se esqueceram de baixar o estore) ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas, pá, e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarradas à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo?
Lembro-me de um sujeito que explicava:
- O maior prazer que me dá ter relações com a minha mulher é pensar que durante uma semana estou safo. E depois pegam-nos na mão no cinema, encostam-se, colam-se, contam histórias sem interesse nenhum que nunca mais terminam, querem variar de restaurante, querem namoro, diminutivos, palermices e nós ali a aturá-las.
O Dinis Machado contava-me de um conhecedor que lhe aclarava as ideias:
- As mulheres têm fios desligados.
E um outro elucidou-me que eram como os telefones:
- Avariam-se sem que se entenda a razão, emudecem, não funcionam e o remédio é bater com o aparelho na mesa para que comecem a trabalhar outra vez.
Meu Deus, que pena me dão as mulheres. Se informam “Já não gosto de ti”, “Não quero mais” aí estão eles a alterarem a agressividade com a súplica, ora violentos ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS a levantarem a mãozinha e, no instante seguinte, a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores (eles que nunca mandavam flores), a colocarem-se de plantão à porta dado que aquela puta há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes-gagas, cenas ridículas, gritos. A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, Che Guevara ou eu, e eles a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que lá se deitam e os outros dois com quem sonham.
Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhes caia na sorte um caramelo que passe à frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persiana-mal-descida-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia (para citar noventa por cento dos escritores portugueses): “O problema não está em ti, está em mim”, a mexerem na faca à mesa ou atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre. Não tenho nada contra os homens: até gosto de alguns. Dos meus amigos. De Schubert. De Ovídio. De Horácio. De Virgílio. De Velásquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável a minha colecção. Não tenho nada contra os homens a não ser no que se refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde, idiota, desonesto. Fui (espero que não muitas vezes) rasca. Volta e meia surge-me na cabeça uma frase de Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde demais. Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim. A partir de certa altura deixa de se jogar às cartas connosco mesmos e de fazer batota com os outros. “O problema não está em ti, está em mim” que extraordinária treta. Como os elogios que vêm logo depois: és inteligente, és sensível, és boa, és generosa, oxalá encontres etc., que mulher não ouviu bugigangas destas?
Uma amiga contou-me que o marido iniciou o discurso habitual:
- Mereces melhor que eu.
E levou com a resposta:
- Pois mereço. Rua.
Enfim, mais ou menos isto, e estou a ver a cara dele à banda. Nem uma lágrima para amostra. Rua. A mesma lágrima para amostra."
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