quarta-feira, setembro 08, 2010

"Pesadelando"

Um velório. E o fato cinzento aparece, na sua figura esguia e familiar. Traz na mão palavras e entrega-tas em forma de facas que se espetam uma a uma em ti. Corres atrás do fato cinzento, agarras-lhe no braço, força-lo a virar a cara para ti e pedes que as retire, convencida que ainda vai a tempo, que apesar de enterradas profundamente, os golpes que deixaram fechar-se-ão como se nunca tivessem existido. Mas ele vira-te as costas, segue o seu caminho, ignora as tuas preces. Não desistes, corres entre as pessoas que contemplam o caixão no certo da sala, corres atrás, uma vez, outra vez, aos encontrões a todos, caras conhecidas que te olham com estranheza e reprovação, gritas, pedes, encaras, obrigas a que te encare. Pelo meio, segundos de lucidez cortam o escuro do quarto e dizes "é um sonho" mas o fato cinzento quer manter-te submersa no seu mundo e num instante estás novamente inundada de angústia e raiva e medo, e novamente não aceitas que não te enfrente, que te vire as costas, que te deixe com as facas espetadas, que te deixe ali à tua sorte. E lutas, lutas, corres, gritas e entras numa corrente de vai e vem entre este mundo e o outro, e suas, ensopas a roupa numa noite em que até arrefeceu.

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