quarta-feira, outubro 13, 2010

Frase do dia



Mas hoje não me fico só pela frase.

Numa fase adiantada do "processo" ou "caminho", ou o termo que a cada um soar melhor, consigo hoje olhar para mim e reconhecer, com mais nitidez, as tranformações pelas quais tenho passado. Vejo o que perdi, o que ganhei, o que se transformou completamente ou só um bocadinho, o que se manteve exactamente igual. E o que tudo me trouxe e a forma como me ajuda a compôr quem sou agora. Apesar de saber que o "eu" de hoje ainda não está totalmente formado, que é prematuro escrever o meu rótulo e arrumar-me na prateleira das pessoas assim ou assado, lá vou eu desembarançando os fios coloridos, e conseguindo, com um ou outro, chegar à pontinha de lã e travá-la, agarrar no novelo e senti-lo como ele é na minha mão.

E esta "Frase do dia" é um dos meus novelos terminados. E tenho orgulho nele.

Durante muito tempo, coração e cabeça não se entendiam. Rumavam em sentidos opostos, cada um puxando para seu lado, obrigando-me a usar de todas as minhas forças para me conseguir equilibrar. Durante muito tempo, coração e cabeça gritavam alto palavras de ordem díspares. Durante muito tempo, cabeça e coração puxavam a brasa, cada um à sua sardinha. Mas, durante esse tempo, e por mais que de vez em quando cedesse mais a um lado ou a outro, consegui ter consciência que eu, este "eu" de hoje como o "eu" de ontem, iria dar passos, sim, mas apenas e só quando cabeça e coração parassem de gritar e se entendessem, sem que um se sobrepusesse ao outro.

Foi difícil, muito difícil, e houve alturas em que perdi a esperança de que alguma vez conseguisse equilibrar os pratos da balança. Porque é fácil assumir um das duas posturas e pronto, agir só desta forma ou só da outra. É mais fácil porque nos dá um rumo, porque é dos livros o que faz alguém maioritariamente emocional ou, pelo contrário, racional. Porque é sempre mais fácil escolher um extremo e seguir a sua cartilha. Porque é sempre mais fácil seguir percursos já traçados e mapeados.

Mas eu não era assim. E continuo a não ser. Tenho que sentir. E este "sentir" meu vai muito para além das emoções. Mistura sentimentos, sensações, intuição, racionalidade, conhecimento interior, certezas ou, pelo menos, lógicas, mesmo que só minhas, mas que existam cá dentro, intrinsecamente, entranhadamente. Esta sou eu. E os passos que dou têm que ser impregnados de mim. E os passos que dou têm que ser dados quando for hora, a minha hora.

Ao longo do "processo" sofri pressões, influências várias, de quem me ama e quer ajudar, de quem acha que sabe como isto se faz, das circunstâncias, dos dias maus e dos dias bons, da chuva e do vento, do sol e da lua, das cartilhas variadas que todos parecem ter na ponta da língua. Mas não cedi. Esperei e desesperei. Esperei e desesperei. Acordei sem ânimo, chorei, pensei, falei e falei, ouvi e absorvi o que para mim fazia sentido, esmiuçei, tive medo. Esperei.

Hoje ainda espero porque ainda há muitas pontas de lã soltas. Mas tenho orgulho nos meus novelos terminados e arrendondados nas minhas mãos. Porque têm a forma que eu quero, porque foram feitos à minha maneira tendo-me a mim, ao meu coração e à minha cabeça, em conjunto - e caminhando num mesmo sentido e gritando as mesmas palavras - como molde. Porque os "sinto". Porque sou eu.

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