"Foi uma violência, foi uma violência...", repete ela em modo de expiação de pecados. Pois, foi uma violência para a qual não estava preparada, em nenhum aspecto. Aliás, quem está? Por um lado nascida em si, por outro imposta, em alguns casos, gratuita, em quase todos, em demasia. Mas, acima de tudo, avançou como torrente, veio sem controlo, alagou tudo à sua volta e teima agora em não se deixar escorrer completamente. Saco de pancada, é como se sente muitas vezes, e não se suporta mais. A violência gerada pelas suas próprias mãos corrói-a, de mansinho, desintegrando os tendões e os músculos, desintegrando a espinha dorsal. A outra, a imposta, pela vida, por outras mãos, por outros dias, apresenta-se como botifarra de montanha a pressionar o diafragma, constante, presente. Duas forças, com origens opostas, que se encontram frente a frente e chocam num mesmo corpo. O resultado nunca é bom.
Mas a marca dos dias a andar vai adocicando o rasto amargo, amaciando a dureza das expressões, sarando os tecidos. Já não se pergunta se "irá acabar um dia?", pergunta "quando". Com consciência de que nunca nada irá ser igual, pergunta "quando". E se pensar bem, a fundo, alegra-se pela diferença inevitável, alegra-se pela armadura entretando soldada, alegra-se pelo coração multifacetado de agora, alegra-se pelos dias negros que nunca poderão voltar a ser tão negros assim simplesmente porque não existe negritude maior. E alegra-se por perceber que a sua outra face já não está à disposição.
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