quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Vapor de água

É quinta, já é quinta. Que bom. Como se os dois dias de fim de semana fossem aqueles, os únicos, que permitem evasão, desprendimento, resgate da vida obrigatória sendo apenas essas 48 horas que me dão espaço para perceber um outro sentido, avançar por outros caminhos, descobrir o que está para lá das horas. Como se no fim de semana houvesse ordem de soltura para fugir do molde e assim pensar e elaborar tudo o que o tempo quadrado dos dias úteis não permite.

Enquanto ontem a água quente do chuveiro escorria sobre mim e se formava à minha volta o meu nevoeiro privado, certezas saiam para o ar através dos meus lábios em direcção aos azulejos. E sim, confirmei-lhes as certezas que tinha, que tenho. Mas eles devolveram-me a pergunta fria da sua superfície: sabes que decidiste ir... mas para onde? Não sei. Não sei e agora não me interessa porque decidi ir e isso é o que marca esta noite de banho quente. "Resolvi fazer-me à vida..." dançavam as letras escritas a vapor, "resolvi fazer-me à vida...".

É tão mais fácil quando nos convencemos que tudo tem um sentido, um propósito. Mesmo que não saibamos qual é, é tão mais fácil aceitar que nada acontece por acaso e que tudo encerra em si algo de positivo, até os maiores monstros da memória. Iliba-nos de pensar, dá-nos autorização para ficar quietos e esperar que o que tem que acontecer aconteça. É tão mais fácil mas só às vezes é que sabe bem. De resto, o sabor é estranho, indefinido, amargo. E como eu detesto o amargo...

Mas decidi algumas decisões. Nada de fundamental para a humanidade, nem mesmo para a minha, mas decidi. E pergunto-me se foi de facto necessário todo o caminho para chegar aqui... sim, convenço-me que sim porque não me quero ver como uma perda de tempo. Convenço-me e congratulo-me e acredito, sim acredito, que hoje não seria quem sou se não tivesse passado pela travessia. Digo "passado" por ela porque não sinto que tenha sido eu a decidir fazê-lo mas sim ela que se foi atravessando à minha frente. A travessia atravessou-se, foi assim que foi.

Misturando sensações, como batido de fruta com água em vez de leite porque os meus têm que ser assim, e esperando que o resultado seja... no mínimo, comestível. Porque são as minhas, as dos outros, as que julgo que os outros têm, as que gostaria de ver, as que gostaria de sentir. Demasiados ingredientes para que saia alguma coisa de jeito daqui, é essa a verdade. Mas a tudo a alma se habitua e, às tantas, já não é nada de sólido ou pesado, simplesmente paira à minha volta, como o nevoeiro particular, que é meu, que faz parte de mim, que é assim talvez porque tenha que ser, que é enquanto for.

É quinta, já é quinta-feira.

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