Depois de concluir, em plena madrugada, que o meu carrinho iria ter que ali passar o resto da noite, lá me enfiei num táxi. Sono, muito, muitas palavras às voltas na cabeça, e ainda bem porque isso significa que não caiem em saco roto, satisfação por termos estado as duas à conversa horas e horas como se ainda andássemos no tempo na faculdade... mas voltando ao táxi e respectivo condutor, homem de meia idade, certamente acabado de entrar ao serviço, fresco como uma alface... e eu a cabecear... "ouça, este é o caminho mais rápido, sabia? Se faz este trajecto muitas vezes, aprenda que isto é um espectáculo. E sabe porquê? Hã? Hã??? Porque só tem dois semáforos! Dois, mais nenhum! Quer ver, quer ver? Olhe, é este agora e depois só o outro lá mais adiante. É limpinho! Porque se for por ali, tem este, aquele e aquele e mais aquele, seis! seis, ao todo! E pelo outro lado também tem o da Avenida tal e mais o outro e são também uns cinco ou seis, 'tá a ver? Agora por aqui não, são dois, dois! Portanto, foi aquele que ali passámos e agora vai ser este aqui. E é limpinho, poupa imenso tempo! Porque pelo outro lado são seis.... blá, blá, blá, blá.... dois!.... blá, blá, blá... cinco.... blá blá, blá... dois, 'tá a ver?!". Estou, estou a ver tudo porque o senhor não me deixa alternativa...
A manhã chega, o metro torna-se no melhor amigo. A mãe tem o almoço do seu dia e depois toca a marchar para ver se consigo resolver o problema. Ok, quem tem cabos, quem não tem, ok, ao final da tarde resolve-se a questão. Pelo caminho mais conversa, conversa boa de quem entende e se identifica a confortar cá dentro porque, ao menos, tudo isto afinal serve para alguma coisa, quanto mais não seja ajudar alguém que está agora a passar por lá. E as palavras que ficam, soltas... Mas vamos lá meter mãos à obra... ok, não está a dar... troca cabos, mexe e remexe, chama mais ajuda e... outra vez... certo, o carro não mexe mesmo. O vento sopra cortante, já estamos todos a tremer, as minhas mãos ficam dormentes e a cabeça dói que se farta... até há faíscas e tudo, os cabos colocam-se e recolocam-se mais uma e outra vez mas a bateria está muda... ou surda, ou sei lá. Por isso, outro táxi, que já vão sendo horas. A cabeça estala cada vez mais, ao ponto de nem conseguir abrir bem os olhos, como se estivesse a levar consecutivamente com um martelo que, a cada embate, provoca ondas de dor por toda a cabeça. Depois de dizer que os portistas são "todos uns trafulhas e bandidos e merecem é levar no trombil", e chegados ao intervalo do jogo, o senhor taxista resolve mudar de estação para aliviar o stress. Bad timing, muito bad timing... o rádio grita Guns n' Roses e ele resolve pôr ainda mais alto "porque isto é que é rock do bom! Não é nada dessa treta electrónica que os putos ouvem hoje em dia! Isto é que é! Do meu tempo, rock do meu tempo que eu só tenho quarenta e poucos... e tenho isto tudo lá em casa! Esta é muita boa, não é? É aquela do filme do Extreminador "Iu cu bi main..." não é? Hein? "Iu cu bi main... hein, hein?? Hehehehe..". E posto isto é noite de domigo.
Salvam-me o jantar quentinho, os mimos e o Brufen...
Hoje, liga para ali, liga para acolá, e o reboque lá chega. Passeio pela cidade "nas alturas" e chegada ao mecânico mais querido do mundo que me pergunta: esta bateria foi trocada há muito tempo? Pois, não sei... e não sei porque não, porque não me lembro de ter ouvido, porque sou só eu a ter que tratar destas coisas, porque me sinto sozinha e desamparada, porque foi só há uns meses e eu ainda não sei fazer as coisas, porque... porque... porque... e as lágrimas a querer saltar. Mas o mecânico mais querido do mundo percebe, deita-me a mão e conforta-me dizendo que amanhã, dê por onde der, tem tudo arranjadinho para mim. Ainda tempo para te chatear, F., com as minhas lamúrias, ainda tempo para me sentar no banco de jardim a deixar que o vento me seque a cara.
Respiro fundo, levanto-me e sigo o meu dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário