"Não tenha medo", diz ela com a calma estudada de quem sabe que, dependendo do tom de voz, a mensagem entra de forma mais ou menos poderosa. Porque um novo ano é uma porta aberta de possibilidades, porque temos que nos abrir ao que pode vir, porque se nos fechamos com medo da dor e raiva e do desgosto, também nos fechamos à felicidade, ao riso e à brisa fresca nos cabelos. Mas a verdade é que a porta se fechou com força e com estrondo, fincando pé na ombreira, quase fundindo-se com ela. Como as janelas de madeira, que quando lá voltava passados meses, encontrava inchadas pelo Inverno sempre rigoroso daquelas paragens...
Tenho inveja das pessoas simples. Aquela simplicidade de alma que lhes permite aproveitar o que a vida lhes dá, por mais pequeno que seja. A simplicidade de não quererem mais do que têm, se viverem os momentos como eles são, se não quererem contrariar as demandas do Universo. São pessoas leves, que se deixam levar pelos ciclos do planeta em vez de os tentar desviar. Não sofrem dos males do atrito, não andam aos encontrões. Não querem muito porque muito já é o que têm, recebem e dão, dão-se sem mais nada, pelo simples prazer de dar. "Mas não vivem grandes emoções..." dizem os arrevesados de feitio. Mas o que vocês não percebem, cara comunidade arrevesada, é que é justamente assim que encontram a sua doçura na vida, trabalhando as emoções em doses homeopáticas. Não necessitam do nosso enfartamento, da barriga cheia até não poder mais. O seu coração palpita mais devagar e alimentando essa cadência simples e branda sentem-se completos. Tenho inveja das pessoas descomplicadas, suaves ao toque, doces e pouco exigentes, com quem é sempre fácil lidar e que lidam bem com toda a gente. Que não deixam que as suas questões as levem ao ponto de ruptura consigo mesmas ou se sobreponham à crença de que tudo irá ficar bem. Tenho inveja das pessoas que têm sempre esperança mesmo quando o mundo ao seu redor parece ruir e que encaram essa ruína com o sorriso de quem acredita que de tudo se pode tirar algo de positivo. Tenho inveja das pessoas que aceitam.
No fundo, tenho inveja das pessoas que não têm inveja.
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