Um dia, um ritual que tinha que ser cumprido. Por outros, por memória de outros, por amor aos que cá ficam. Disse o teu nome, como me disseram para fazer, repeti várias vezes, entrelaçando-o na lista que ecoava, por não saber quando era melhor, quanto era suficiente e para não falhar repeti-o enquanto pude. As vozes em coro envolviam-me, senti-me tonta e eu a quebrar. Ouvi as palavras e eu a quebrar. Controlei as forças e eu a quebrar. Pedi protecção para ti e eu a quebrar. Pedi-te ajuda e eu a quebrar. Virei-me para dentro e eu sempre a quebrar. Quando terminou, fiz o que tinha de fazer, pelos outros, não por mim, e saí. E uns passos mais à frente, finalmente me permiti e quebrei mesmo, quebrei o que faltava, quebrei o que tinha contido até ali. Rodopiei pela rua, ouvi palavras do outro lado da linha, gritei, destilei o ódio e a dor e enquanto rodopiava ia deixando cair os pedaços quebrados na calçada.
E, de repente, toques no vidro, duas pessoas a olhar para mim, a pedir-me para falar com elas. Traziam os pedaços que tinham encontrado no passeio e traziam também palavras de conforto, de coragem, doçura vinda do nada, humanidade de quem é humano. Duas pessoas que sairam dos seus caminhos, da rota da sua vida, para entrar na minha, nem que fosse por um bocadinho, e tentar torná-la melhor. Do nada. Não se conheciam entre si. Não me conheciam. A mística, falando do universo e de que tudo passa "minha filha", a mais contida, mas conhecedora das matérias da alma, dizendo que morava mesmo ali "neste prédio, no 3º andar, vá lá bater quando quiser". Do nada.
Minutos antes pedi-te ajuda. Minutos depois ela veio, do nada, bater-me no vidro, no vidro que me envolve, com os meus pedaços na mão.
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