quarta-feira, julho 07, 2010

Oi?

Estou a ouvir pela metade. Não sei bem o que se passou, mas ontem à noite algo tapou o meu ouvido esquerdo e ainda lá se mantém. Já esfreguei, massagei, despejei soro fisiológico... nada, tudo na mesma. O lado bom: sendo que hoje voltei ao trabalho, esta incapacidade temporária dá um certo jeito... é que, regra geral, nada do que se diz aqui na minha sala vale muito a pena ser ouvido... O lado mau: é esquisito, muito esquisito, é desconfortável e pode ser bastante prejudicional, socialmente falando.

Então vejamos:
Por um lado, não tenho noção do volume da minha voz. Ouço-a de forma diferente, não a reconheço, não sei a quantos decibéis ando. Ora, como eu sei que as pessoas que ouvem mal têm tendência para gritar, esforço-me para falar com um tom moderado para não incomodar. Mas é um moderado conseguido sem grande noção do que estou a fazer porque não sou, de momento, dona das referências habituais. É um tiro no escuro... Tanto sai alto demais como não me ouvem...

Depois, o altifalante interno aumentou, não sei bem porquê. Ouço-me de maneira diferente, mais próxima. Parece que estou a sussurar ao ouvido de mim própria, pareço aquela vozinha interna que todos temos de vez em quando mas sendo que esta permanece! É um barulhão! Um simples mascar de plastilha elástica soa a uma trituradora dentro do cérebro, tenho mais consciência da minha própria respiração porque a ouço fora, como sempre, e dentro como se tivesse um taradão a ofegar no meu pescoço; um soluço parece um sino de igreja no meio dos olhos a dar a uma da tarde! Incómodo, muito incómodo...

Mas mais preocupante ainda, não percebo metade do que me dizem. E, por acaso até é giro ser mesmo... metade. Desenvolvi, por isso, uma teoria que passo a partilhar: as palavras, quando saiem da boca de quem fala connosco, vêm ali pelo ar e tal. Quando chegam perto do nosso nariz, dividem-se, vão umas letras para a direita e as restantes para a esquerda. E só quando entram no nosso cérebro pelos ouvidos é que se voltam a juntar e, nessa altura então, conseguimos processar a palavra ou frase. Ora, no caso dos incapacitados auditivos (pelo menos, os temporários, acho que os outros conseguem, com treino, fazer fluir a coisa toda para o mesmo lado) o que é que acontece? As letras que vão direitinhas ao ouvido tapado ficam à porta. As outras seguem o seu caminho mas, o encontro não se dando, a palavra fica coxa... aliás, fica sem ser palavra...

Só que não quero dar parte de fraca e dizer que estou mouca! As probabilidades de vir a ser gozada como se não houvesse amanhã são gigantescas! Ainda mais aqui, onde há, efectivamente, uma surda de um ouvido... nããã... prefiro fingir que nada se passa mesmo já conseguindo antever certas e determinadas situações onde farei figura de perfeita atrasada mental ou então de alcoólica!

No restaurante:
- A mels oj etã qe é ma mravila! (1)
- Sim, sim, quero uma água fresquinha, obrigado.

No trânsito:
- le, dsule, sab-e izr ara ne ica a arç de Avalde? (2)
- Olha-me este gajo! Deves achar que és o rei do asfalto, tu! Lá para trás, caro amigo, a fila começa lá atrás!

No trabalho:
- Prfria ue, ats d ubmeer eta prpst, ivsses faao coigo. (3)
- Ainda bem que concorda, eu também achei que esta era a melhor forma de levar o processo adiante.

Pois... e isto que não passa... alguém me arranja uma picareta??


(1) As moelas hoje estão que é uma maravilha!
(2) Olhe, desculpe, sabe dizer-me para onde fica a Praça de Alvalade?
(3) Preferia que, antes de submeter esta proposta, tivesses falado comigo.

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