A C. até não parece má pessoa. Sempre me tratou bem, com relativa simpatia e educação, mas tem uma maneira de estar na vida que me complica com os nervos. Digamos que a coisa é de tal ordem que só de ouvir a voz dela fico com pele de galinha. Infelizmente, o destino quis que nos cruzássemos quase diariamente...
Rapariga pequena e despachada, com 30 e poucos anos, a C. não consegue falar sem ser no modo "protestar por tudo e por nada". Qualquer coisa que conte ou pergunte ou esclareça é sempre em tom de crítica e vem sempre acompanhada por uma expressão tipo "todos me devem e ninguém me paga" seguida de um arrepanhar de boca, a fazer bico, um "esbugalhamento" de olhos e um abanar de ombros a fazer lembrar as vendedoras na praça a achincalhar a concorrência. Só falta mesmo a mão na anca mas disso ela ainda não se lembrou...
Usa há anos o mesmo cabelo liso, direito, com risco ao meio, preso atrás das orelhas. Não é feia nem é bonita, não se maquilha e anda sempre com calça de fazenda e sapato raso, regra geral nos tons azul escuro, cinza ou preto. Em dias mais coloridos, veste branco ou rosinha claro.
No bar, olha para a ementa e diz sempre "que horror! não se pode comer nada aqui". A partir daí começa a meter o nariz nos pratos das pessoas que já estão sentadas ou que estão a ser servidas primeiro para averiguar sobre o aspecto, o gosto, o cheiro. Quando chega à sua vez, em tom inspectivo, pergunta e comenta "Isto é de hoje? É feito como? Está com um ar muito seco... e só tem isso? Olhe que não me parece fresco! Isto vai de mal a pior!" Uma vez na mesa, come com o guardanapo bem aberto pendurado na gola da camisola.
Em paralelo, é certamente uma das fundadoras da famosa "rádio corredor". Sabe as cusquices todas, de quem anda com quem, quem foi promovido, quem tem mau ou bom feitio, quem faz horas extra. Põe alcunhas tipo nome de código para poder falar dos outros sem ser apanhada. E parece, também, que não se coíbe de ser desagradável com os colegas caso as coisas não lhe corram de feição. Obcecada com os pormenores, leva o seu trabalho muito a sério, embora comente a sua má sorte de 5 em 5 segundos, e não consegue lidar com contrariedades. Tirou Direito à noite mas não fez grande coisa por evoluir profissionalmente. Contenta-se, certamente, com o facto de agora já terem que a tratar por Dra. C.
Do que me foi dado a perceber, vive com os pais e irmão, de vinte e tal anos. Anda na hidroginástica e faz o jantar todos os dias. Não é raro ouvi-la falar dos preços da fruta que estão pela hora da morte ou do irmão que, coitadinho, se constipou no outro dia quando foi sair à noite. "Eu bem o avisei, leva um casaco de malha e cuidado com as correntes de ar! Mas o que queres, filha, não me ligou e agora é isto!"
A C. é aquele tipo de pessoa que, aparentemente, não tem vida social. Nunca a ouvi falar de amigas fora daqui, de restaurantes que experimentou ou de algum tipo giro que tenha conhecido. Raramente vai ao cinema e raramente viaja.
Um dia destes, ao discutir muito revoltada sobre os critérios de avaliação, diz-me o seguinte: "Como posso ser avaliada pela organização de reuniões? E se houver uma catástrofe natural, um terramoto, e eu não poder vir? Ó filha, achas justo ser penalizada por isso? Achas??" Tive que me conter! O fricassé de lulas ficou-me todo embrulhado e o calor subiu-me à cabeça. Consegui controlar-me ao ponto de só dizer "esse tipo de coisas não acontece todos os dias" enquanto me levantava rapidamente da mesa já a espumar!
É esta a C.
Agora pergunto: será muito difícil encontrar um tipo novo e musculado, daqueles que se fantasiam de cowboy, só com chapéu e coldre que, a troco de uma quantia simpática, nos faça o favor de a fazer beber uns copos valentes, de lhe dar uns apertões bem dados, de lhe desarranjar o risco ao meio, de lhe dar razões bem mais interessantes para "esbugalhar" os olhos e de a fazer ansiar por correntes de ar como se não houvesse amanhã?!? É que, realmente, acho que é por aí...
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