segunda-feira, março 01, 2010

Bunker

Retirei-me. Dei uns passos para trás e subi para um patamar mais pequeno mas mais isolado. Tranquei-o, fechei portas e janelas de modo a que só entre o ar necessário para me sentir confortável. Retirei-me da confusão e observo-a cá de cima mas a distância segura para que não me atinja. E aqui fico, no meu canto, organizado como me dá prazer, quente, calmo, com os meus livros, a minha gata, as minhas mantas. Afastei-me do ruído, abracei o silêncio e nele só entra quem eu quero e quando eu quero. Optei pela reclusão e a paz que ela me transmite. Aqui tenho disponibilidade para olhar para mim e reconstruir a carapaça que me caracteriza. Aqui me fortaleço, aqui me protejo. De vez em quando saio à rua, quando escurece e não circula ninguém, quando tenho a certeza que é seguro. Outras vezes esforço-me por sair em plena luz do dia mas apenas quando sei exactamente onde vou, o que vou encontrar, e faço-o sem desvios, garantindo também um regresso o menos atribulado possível. E uma vez mais no meu canto, rodeio-me do que me faz bem. Na memória, sempre presente o lado oposto para que não me esqueça, para que me endureça. Sempre. Mas um dia saio de vez. Um dia, quando a carapaça estiver plenamente resistente, quando já não houver nada que a trespasse, saio. Nesse dia, de cabeça erguida, saio e bato de frente com o que se atravessar no meu caminho. Nesse dia volto a mim, volto a ter mãos nas minhas rédeas e elevo-me acima de tudo e todos, e a minha presença volta a ser o bastante para me segurar de pé. E nesse dia, que sinto cada vez mais perto, volto a brilhar à vista do mundo.

Sem comentários: