Está concentrada na dor, diz ela, está concentrada na dor. Existem vantagens e desvantagens. A desvantagem é que não consegue sentir mais nada. E há mais coisas para sentir, a vida tem sempre mais coisas. A vantagem é que ao lidar com ela, ao encará-la de frente, ao passar por ela tem muito mais probabilidades de efectivamente a resolver. Quem guarda a dor num canto, numa espécie de arrecadação ilude-se. Não a vê, não tem que viver com ela no dia-a-dia e por isso acha que consegue seguir normalmente e até ser feliz apesar da sua existência. Porque ela está lá mas não se sente, está arrumada num local onde não temos que ir e pode ser que desapareça sem termos que fazer nada. Mas já viu alguma vez as tralhas da arrecadação desaparecerem sem termos que lidar com elas? Não, isso não existe. Mais tarde ou mais cedo temos que as arrumar. Mais tarde ou mais cedo temos que sair de casa, enfrentar a tralha e dar-lhe destino. Dói, pois claro que dói, abana a aparente estabilidade em que nos encontramos, traz-nos memórias e às vezes até levanta dúvidas quando achávamos que só tínhamos certezas. Mas só assim estamos realmente a resolver alguma coisa. Podemos passar anos sem lá ir, podemos viver iludidos muito tempo porque o ser humano agarra-se com muita facilidade à ilusão mas um dia vemos que construímos o nosso caminho em cima de uma base frágil, um dia acordamos e damos conta que afinal criámos na nossa cabeça um cenário de felicidade que não é real. Um dia iremos, inevitavelmente, sofrer as consequências. Por isso, agarre-se a este lado bom. Agarre-se ao facto de ter coragem para enfrentar, de pôr as mãos na massa e arrumar o que há para ser arrumado. Vai ver que assim é que vai encontrar a verdadeira paz de espírito.
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