"Ultimamente, andas mais amarga...", ouviu ela. "Ando? Talvez...".
Não se tinha dado conta mas não se surpreendeu. Porque tinham-lhe dito que estas rodas vivas em que o universo nos mete têm várias fases e que elas ocorrem em sequência, com uma determinada ordem. Onde estaria ela agora? Às vezes não é fácil ver, parece tudo misturado, com picos, altos e baixos daqui e dali, mas parece que, mal ou bem, querendo ou não, lá seguimos o que está escrito nos livros. "Sim, querendo ou não..."
A fase do choque. A fase do primeiro confronto, da dor que ele provoca é o primeiro anel da espiral a começar a mexer. É a fase do choro, das lágrimas descontroladas, da tristeza e da incredulidade. "Sim, o começo de tudo...".
Depois, mais adiante, encadeando-se e continuando a girar, inicia-se a fase da raiva, aquela em que gritamos e esmurramos paredes e o que nos aparecer à frente, revoltados contra tudo e contra todos, querendo culpar tudo e todos, recusando-nos a aceitar. "Sim, a raiva que consome, que mina, que destrói...".
No meio de tudo isto, a esperança a olear o mecanismo. É por ela existir que existe a incredulidade e a rejeição. É ela que as alimenta, é ela que é a base. Espreita do mais fundo de nós, está lá e por existir não nos deixa acreditar, aceitar. "Sim, é a luz ao fundo do túnel...".
E depois... a esperança sai de cena. E aqui começa o derradeiro ciclo, o do desalento, o da depressão. Aceitamos cá dentro o que vemos, o que temos, aceitamos que nada mais há a fazer, que nada vai mudar. E cansados, baixamos finalmente os braços. A luz apaga-se, o brilho nos olhos também. É a fase mais amarga, é a da resignação. E é provavelmente a mais triste de todas.
"Sim... ando mais amarga."
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